Lembranças Hebréias

Ingrata! E fazes milagres...

E não crês em ti sequer.

Vê, teu riso quebra as lousas,

Eu sou Lázaro, mulher.

- Castro Alves

Eu sonhei tanto amor e tanta glória.

- Alvares de Azevedo

Era uma noite fria.

As ruas na ventania

Cobriam-se de sereno.

E esse orvalho da noite,

Cingia em negro açoite,

Em vestígios de veneno.

E eu - pobre mendigo

Cismava ao ter comigo

Alguns sutis pensamentos.

Pesados, quem sabe, talvez!

Tudo é vão na insensatez

De um infausto sentimento.

A lua - noiva soturna

Que na dança noturna

Baila e canta no céu

Era um pássaro branco

Que'm seu sorriso franco

Humilhava o que é meu.

Era ela! Na Israel luzente

Onde caminha tanta gente

Sorria e fugia de mim

E eu aqui abandonado

De tanto ar sufocado

Ao respirar seu jasmim.

Que hálito! Que flores

Que páginas de amores

Ela lia em segredo...

Mas de mim disfarçava

E se me via - mudava

A entonação do enredo.

No seu álbum de mocinha

Assinei co'a letra minha

Uma trova d'esperança

Mas ela, me percebendo

Logo foi se escondendo

Pr'a não tirá-la na dança.

Estaquei-me! E ela

Segurando uma vela

Fazia u'a oração...

Nos seus lábios inocentes

Havia um queixume ardente

Que me chamava atenção:

- Oh, Deus que das alturas

Vislumbra tantas loucuras

No coração que me habita!

Não sabes que é quimera

Esse amor que m'impera

Que me punge e me excita?!

Não sabes que é pecado

Todo sonho frustado

No coração de mulher?

Não sabes que sozinha

Carrego a dor que é minha,

Sabendo qu'ele me quer?

Não suportava! Sorria...

De tanto amor extraía,

Toda uma vida nova.

Ao mesmo tempo chorava

Pois sabia que me aguardava

A solidão como prova.

Pois ela era hebréia

Filha da judéia

Guardada em Jerusalém.

E eu! Um monge da rua

Que de alma opressa e nua

Volvia as terras do além.

(Versos livres, sem a mínima preocupação)