À beira-amar
Necessária e anônima, essa mulher
lateja inerme dentro de sua água.
A vida ávida viola ventos,
atravessa grossas artérias
até o oceano.
E em seu leito líquido, rio breve,
a nau do amor sobrevive ao gesto,
à sede da água sem ponte
e sem porto.
A noite desliza. Desliza
e geme como planeta
seu corpo de naufrágio
e dialeto.
A saudade tenho por aljava,
trago poemas para com eles
atingir sua epiderme,
molhar sua fragrância,
ativar glândulas,
sangrar pelas praias
sua onipotência.
Vem a música e, de longe,
danifica a paisagem.
Antigas folhas sobem à superfície,
revelando o outono.
O passado como uma rosa flutua.
As águas são também espelhos.
Os rostos se repetem, se repete
o amor. Nada recusa ou aprisiona.
Negá-lo por quê? Por quanto tempo?
A lágrima pode invadir os olhos,
despertar o homem no menino.
Entre escrever e amar
prefiro minha pena,
encerrar a poesia numa página
e a banir de mim,
e na parede ao canto arremessá-la com devoção.