SUBSISTÊNCIA & MAIS

SUBSISTÊNCIA I (5 JUL 06)

Não quero mais só alma, mulher:

quero teu sangue

misturado no meu, quero teus filhos!

que sigas lado a lado os mesmos trilhos

que longamente estive

a palmilhar, exangue!...

Quero teu corpo assim,

ao meu todo enlaçado,

como enlaçado já está ao teu meu coração,

qual sei está o teu, inerme na emoção

a que embora resistas, mantém atribulado

teu corpo inteiro, que de enlaçar desejas!

Por isso te parece tal ânsia uma loucura,

porque é incontrolável,

por mais que lhe resistas.

Tal o desejo meu, tão puro de conquistas,

quanto agora é feroz em recobrar ensejos

ao amor permanente, que toda a vida dura!

SUBSISTÊNCIA II (10 SET 12)

Nem sempre foram lisos

os caminhos:

houve momentos vãos em teus abraços,

houve calhaus e poças sob os passos,

instantes houve

de ausência de carinhos.

Mas teu perfume

permanece nos espinhos;

mesmo que de quebrá-los estejam lassos

os meus dedos, ainda busco os traços

da rosa hoje perdida em rosmaninhos.

Teu sangue ainda desejo junto ao meu,

no lento roçagar de tua epiderme,

e de teus lábios

ressequidos de desejo.

Mas não te olvides que ninguém em ti mais creu

do que eu, pois me rendi inerme

perante o aroma avarento do teu beijo.

SUBSISTÊNCIA III

E mesmo que teu ventre

esteja exangue,

o meu ainda te busca demandar,

em cada fase de meu palmilhar:

são para ti

os rastros do meu sangue

e se a tua energia

já se enlangue,

pela falta do perfeito hormonizar,

com minha própria buscarei harmonizar

cada feixe de emoções em nova gangue,

que ainda em ti se enfoca meu desejo;

inda que penses que ardor já se extinguiu,

és tu que ages

qual se fora assim;

porque apesar da negação do ensejo,

não se apagou esse sonho que luziu

e ainda te quero inteira para mim.

CARLA BRUNI I (10 set 12)

Beleza não se compra, mas copia...

É tão comum disfarçar com maquiagem,

Fazer plástica cosmética com coragem,

Unhas postiças a aplicar se enfia...

Belas perucas adequadas à harmonia

De qualquer ocasião ou de viagem,

Cílios postiços, batons, feia tatuagem

E até mesmo ferrinhos, hoje em dia...

Em certos casos, são bom complemento

A realçar os dotes naturais,

Em tantos outros simplesmente coisa inútil,

Tantos truques só servindo de alimento

Para a vaidade ou nos artificiais

Ardis criados para tanta mulher fútil.

CARLA BRUNI II

Em certos casos, são até mercadorias

A sugerir mil produtos de beleza

Ou automóveis, ou qualquer proeza

Dessas agências com que clientes alicias...

Na grande indústria da moda, quaisquer vias

Servem como pavimento da destreza;

Mas é a figura da mulher, plena certeza,

Que executa essas bizarras sinfonias.

Alguns modelos grande fama alcançam

E até recebem extraordinários pagamentos.

Carla Bruni nesse ramo destacou-se.

Seus olhos brilham e suas pernas dançam

Em dezenas de revistas e momentos

E um político por ela apaixonou-se...

CARLA BRUNI III

Sem dúvida, tê-la sempre do seu lado,

Como hostess para suas recepções,

Apoiou a seu partido em eleições

E contou pontos para tal enamorado...

Mas a política vale mais que um rosto amado,

Popular mesmo de permeio às multidões,

Quando a balança das importações

Ultrapassa facilmente ao exportado...

Chegou assim o momento da verdade

E o marido não importou a sua beleza

Ou aos eleitores já não importa mais...

Chegou-lhe o instante da transitoriedade,

Em que a faixa se transmite, com nobreza,

Sem saber se às suas mãos volta jamais...

TERRA NOS BOLSOS I (11 SET 12)

Muita gente malbarata a juventude:

quando a procura, toda se gastou

e então se indaga em que lugar ficou

o tempo jovem que por eterno ilude.

Gastou-o em festas ou em esporte rude

ou talvez nos negócios o empregou.

Consigo mesmo então as contas acertou,

Sem haver saldo que no futuro o escude.

O que restou, no momento em que a energia

não se renova, como antes ocorria

e alegremente os anos vão embora?

Mas não se diga que o meu tempo esperdicei:

pois tive tempo, sim; e o aproveitei,

meus epitélios espalhando desde a aurora...

TERRA NOS BOLSOS II

Não que me iluda, pelo bem que fiz,

receber qualquer pago ou recompensa.

Até se fala, em lance de descrença,

que toda a boa ação (ou assim se diz)

é castigada, ao contrário do que quis

a religião, a moral ou outra crença,

quando se afirma que o crime não compensa.

Já o bem compensa como o faz um chafariz,

que distribui ao seu redor claro frescor,

enquanto o fluxo não lhe é cortado:

amplo perímetro de bem ao seu entorno...

Mas quando cortam a corrente, seu valor

subitamente não é mais considerado

e nem olhares lhe devolvem em retorno.

TERRA NOS BOLSOS III

Quem distribui, na maior generosidade,

o quanto tem, se algum dia precisar

e nos seus bolsos as mãos for enfiar,

talvez só terra ali encontre, na verdade.

Quem esperava achar, na adversidade,

esses amigos com quem costuma festejar,

tampouco deles receberá qualquer olhar,

porque sua areia já perdeu a validade.

Conquanto, sem nutrir uma ilusão,

eu dou a quem me pede e empresto a quem precisa

trapos de tempo e farrapos de paciência

e esse punhado de terra, na minha mão,

talvez contenha uma semente mais concisa,

para dar frutos nos momentos da indigência.

TERRA NOS BOLSOS IV

Guardo a certeza de agir corretamente

e que meu tempo empreguei, sem desperdício;

entre mil opções, selecionei meu vício:

o de versos escrever frequentemente.

Nos intervalos do tempo, certamente

do meu trabalho, no árduo lanifício

dos livros traduzidos, um resquício

deixando ali de mim, honestamente.

E pouco importa que um dia enfie os dedos

no fundo de meus bolsos e só ache terra:

melhor assim que estarem só vazios...

Que cada grão de areia traz segredos

e a menor pedrinha um mundo encerra,

para quem sabe entretecer-lhe os fios...

MADINAT AL-ARAB I (11 SET 12)

Na Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém,

ou melhor dito, El-Kodz, ainda se abriga

a ponta dessa rocha tão antiga,

utilizada por Abraão, também,

quando a ideia de matar Isaac lhe advém,

como se fosse de seu divino auriga.

Por um triz o sinistro plano não consiga,

destruindo os descendentes que não tem.

Aqui também Rassul, o Mensageiro,

sobre o alto do penhasco os pés implanta,

cuja marca até hoje ainda lá está!...

Por que então erguer prédio altaneiro,

mais alto ainda do que a Rocha santa,

de cuja ponta subiu aos céus Allah...?

MADINAT AL-ARAB II

Também Nimrod, conforme as Escrituras,

“poderoso caçador ante o Senhor,”

do próprio orgulho buscou o seu louvor,

uma torre a construir com as mãos impuras!

Mas o Altíssimo puniu as suas loucuras

e confundiu as vozes, com vigor,

da compreensão perdendo o seu valor,

cada tribo demandando outras planuras...

E o zigurate de Nimrod desmanchou-se!

Só os alicerces encontraram em Babel,

como derrui todo esse orgulho humano...

Por que então, mais uma vez, tentou-se

construir outro gigante de ouropel,

muito mais alto que a torre do tirano...?

MADINAT AL-ARAB III

Nunca em palácios Mohammed habitou

e raramente de barro em uma vivenda;

por toda a vida, deu preferência à tenda,

na humildade que sempre demonstrou.

E sua morada, constante, iluminou

com almotolia de azeite, diz a lenda.

A Lua e as estrelas alumiaram-lhe sua senda,

quando de noite algum destino demandou.

Por que então o turbilhão de luzes

que essa cidade ilumina mais que o dia?

São mais dignos de luz que Maomé?

E tu, ó muçulmano, caso cruzes

diante do imenso prédio dessa via,

vês nele o facho da verdadeira fé...?