Poetas antigos, versos desconhecidos

Um velho sábio de olhos transparentes,

que nos pousava a mão no ombro com ternura,

depois de ver nos livros e nos tubos de ensaio

o destino dos homens,

queimou os livros todos e afogou-se no rio.

E nunca mais ninguém nos pousou a mão no ombro

com a ternura do sábio que se afogou no rio.

Poetas antigos, versos desconhecidos

Para aqueles que não sabem ou que já não se lembram, esta é uma rubrica de poesia que os Quartos Escuros teimam em de vez em quando ressuscitar. Chega hoje apenas à meia dúzia de edições, o que só por desleixe se pode com efeito explicar. Deixo-vos o precocemente desaparecido poeta Álvaro Feijó, um vianense que participou no "Novo Cancioneiro" neo-realista e que aqui, em "Desejo", junta uma alegoria intimista à já rara prática de improváveis rimas sobre uma métrica de ambiciosa irregularidade.

Atingido,

o aparelho inclinou as grandes asas mortas

e tombou sobre a Terra, adormecido,

na grande rigidez das coisas mortas.

Da viagem ao Sol

trouxera uma centelha

que no verde crisol

da pradaria imensa

de novo se inflamou em chama azul-vermelha.

E o vento, sem detença,

levou aos quatro cantos do universo

a cinza que restara.

É que o vento é senhor de uma loucura imensa,

porque o vento não pára.

Quando a gente perder

do noso sonho tudo,

venha a chama que despe

os corpos de veludo...

Que venha o vento agreste

e leve o que ficar em seus assomos.

Que nem a cinza reste

daquilo que nós fomos.

Mário Dionísio
Enviado por Walcyra Costa em 04/09/2012
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