O AMOR NOS TEMPOS "DA" CÓLERA

Esperei que ele ligasse.

Minha juventude também.

Um dia, porém, nós duas nos cansamos.

E as dúvidas deram lugar às rugas.

Envelheci.

Quando, finalmente, ele decidiu me procurar,

eu já usava bengala devido à osteoporose

Foi numa tarde do outono da minha vida.

Soou a campainha

Abri a porta e ele estava lá

Careca, pálido, enrugado.

Engoli o susto e disse, ranzinza:

-“O que foi?! O que você quer?!”

E ele: -“Perdão pela demora. Você é o meu grande amor”.

Mandei o velho passear.

E bati a porta – o coração dilacerado, a alma em febre.

Poucos dias depois, morremos os dois, de desgosto.

Ao chegar ao céu,

nossas almas readquiriram o frescor jovial.

Fiquei linda de novo e me engracei com Vinícius de Moraes,

apenas para enciumar meu verdadeiro amor.

O poetinha nada sabia e me dedicou poemas

lindos que ele soprava no ouvido de

um jovem escritor carioca.

Mas meu plano vazou

e fui chamada por São Pedro

que me passou um “sabão”.

Vi o quanto estava sendo infantil e estúpida.

Perdoei meu velho amor

E expliquei tudo a Vinícius que, a bem da verdade,

já estava de olho em outro rabo de alma, digo, de saia.

Vivemos felizes para sempre e o autor de

“Soneto do amor total”

Passou a poemar sobre nossa história

mas, desta vez, soprando

versos e estrofes no ouvido de uma

moça potiguar.

E foi assim que nos tornamos sucesso.

Repente de cordel.

Filme premiado.

Enredo de novela.

Tema de exposição.

Passo novo de xaxado.

Melodia de baião.

E no céu, sempre que os escritores

nos viam repetiam

a máxima de Fernando Sabino:

“E no final, tudo vai dar certo

e se não der certo é porque não chegou ao final”.

Goimar

Santa Rita do Sapucaí

30/04/06

Goimar Dantas
Enviado por Goimar Dantas em 17/02/2007
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