As Veras
Tinha duas namoradas -
uma morava no prédio em frente da outra.
Uma loira, outra morena -
uma quase-rica, outra remediada.
Uma falante - outra calada.
Uma cuidava das unhas - a outra ralava.
Não se conheciam, - mesmo frequentando o mesmo ponto do bicho.
Quando visitava uma, em seguida partia para a outra -
era só atravessar a rua.
Amava duas vezes na mesma tarde e era tão bom.
Chamavam-se Veras, as duas.
Para facilitar, denominava-as: Vera 1 e Vera 2.
Chegava na casa de Vera 2 inda com o perfume de Vera 1.
E ouvia:
¨Você está tão cheiroso, João! ¨
Quando saia, levava as duas dentro de mim.
Eu as fazia felizes, estava escrito nos olhos delas -
cada uma ficava no seu canto, sonhando com a minha volta.
Uma na cobertura, outra no conjugado.
Eram tão diferentes, mas o mesmo amor guardado.
Ligavam, ao mesmo tempo, preocupadas:
¨ Chegou bem, amor? ¨
Volto sempre àquela rua.
Peço um conhaque no boteco em frente.
Fico olhando os dois prédios, como no passado.
Um rico, outro pobre.
E pergunto ao mundo:
¨ Onde estão vocês? ¨
O silêncio é total.
Pego a taça, estendo-a, ao alto:
E completo:
¨Um brinde à vocês, Veras! ¨