VISITA DA SAUDADE & MAIS

VISITA DA SAUDADE I (11 AGO 12)

Nessas planícies torpes de minha alma,

que, sem saber, eu tão só navegarei,

por entre as brumas, por ti eu buscarei,

na pavidez contida em plena calma.

Apenas teu carinho será a palma

em que o ardor de meu rosto abanarei;

e teu perfume, bem de longe, sentirei,

meu faro em busca desse odor que embalma!

Essas planícies com minhas lágrimas eu fiz:

delas brotou toda a sua vegetação;

das plantas mortas se formou a terra;

e nessa terra replantar eu quis

os arbustos do queixume e da emoção,

em cada prado que o coração encerra.

VISITA DA SAUDADE II

Já descrevi a plena geografia

dessa nação em que viajo como um rei,

embora a pé as suas sendas palmilhei,

a condensar-se nos bosques da magia.

Cada semente a expirar plantei,

num bafo branco com sabor de nostalgia,

meus dentes feitos vulcões de fancaria,

em bosques os cabelos transformei.

De meus suores já brotaram rios,

de meus adubos surgiu mais vegetação,

os pássaros e avezinhas fiz de afago;

e as cordilheiras se alçaram de meus brios,

a atmosfera a ressumbrar de meu pulmão,

e cada pranto foi condensar-se em lago.

VISITA DA SAUDADE III

Com as células das mãos criei cidades;

são minhas gotas de sangue os habitantes,

são minhas memórias girafas e elefantes,

pastam ovelhas nos prados das vaidades.

Os meus orgulhos empreguei, às saciedades,

para os castelos e moradas de gigantes;

criei elfos e gnomos deslumbrantes

e as fadas dançam nessas sociedades.

Templos ergui com minhas deficiências,

de imperfeições eu construí altares

e de meus medos os ídolos supremos.

Os sacerdotes foram minhas decadências,

com meus fracassos esculpi os remos

para minhas balsas de antigos avatares...

VISITA DA SAUDADE IV

Só não usei para nada os meus pecados,

pois descobri não dispor de qualquer um;

já os queimara nas piras do comum,

achas de lenha de sonhos ressecados...

Meus súditos são de pele constelados,

trazem-me vinho, hidromel e escuro rum,

tenho odaliscas sem pudor algum,

sem discussão me obedecem meus soldados.

E por que dissentiriam, se são meus

os fios neurais da perfeita humanidade?

que assim se portam tal e qual os via...

mas nas mulheres só diviso os traços teus

e cada uma apelida-se “saudade”,

pois nunca tive essa visita que eu queria...

MANIFESTAÇÕES I – 9 ago 12

Já muitas vezes imaginei a origem

deste fluxo de versos que me vêm,

a revoada de andorinhas que se atêm,

a saraivada de ideias que se impingem

sobre meus dedos e que a mente mal atingem,

que me aparecem quando lhes convêm,

nessa manada a pastar sobre o azevém

de minhas campinas neurais em vassalagem.

Já imaginei quais serão os condutores

desta teia inconsútil de ilusões,

que me escorrem como tinta pelos dedos

ou quem me podem ser os norteadores

que ocasionam as manifestações,

sem que revelem para mim os seus segredos.

MANIFESTAÇÕES II

Eu poderia ser um poço de vaidade

e admitir a possessão dessa autoria,

que eu mesmo criara e que escorria,

metal fundido a escorrer genialidade;

mas não consigo aceitar como verdade

que seja apenas minha mente fugidia

a responsável por quanto aqui se cria,

por um projeto criador da realidade,

porque as coisas surgem prontas, num sussurro,

inaudível como as asas palpitantes,

qual uma brisa a me entrar pelo telhado;

somente os traços no cartão empurro;

como sentir orgulho dos instantes

em que apenas compilei o resultado?

MANIFESTAÇÕES III

O fato é que não vejo o que planejo,

se o que desejo fazer vai sendo adiado:

para outras praias sou eu mesmo transportado

e esses versos que planejo nunca vejo,

salvo depois, no ensejo do desejo,

quando me abrigo no círculo alvejado

e as frechas partem no vento descuidado

que me transforma o desejo nesse ensejo;

de modo tal que estranho essa cantiga,

mesmo quando inicialmente a concebi:

são outros braços que a balestra empunham,

que mesmo presos ao corpo deste auriga,

não controlam as cordas que escolhi,

nem vai meu rosto nas moedas que se cunham.

MANIFESTAÇÕES IV

Sejam então os meus predecessores

a murmurar-me, do inconsciente coletivo,

ou que venha o Espírito Santo, redivido,

ou os fantasmas de meus mortos amores,

ou seja a aurora a cochichar albores,

ou Dionyso a embriagar-me, ativo,

Apollo e as Musas a me fazer cativo,

ou este coro feroz de estivadores

que prendi nos meus cárceres e porões

de meu próprio inconsciente a se alijarem

desses pesos de mágoas e loucuras,

que lhes vedam o acesso a meus pulmões

e só se podem então manifestarem

no solilóquio transcendente das agruras...

EM SOLIDEZ GASOSA I (10 ago 12)

A solidão é uma arma de dois gumes

que poderia nos tornar ensimesmados,

a lastimarmos por sermos desgraçados

na caçarola perdidos dos queixumes;

ou alçar nos pode a elevados cumes,

em seus diálogos com os campos desolados,

que florescem no interior dos rejeitados

e se incendeiam com milhões de vagalumes.

Quem se recusa a viver em solidão

nunca consegue percorrer essas paragens,

nas quais se lavram as personalidades,

em que se plantam pés de pranto e onde estão

mudas de mágoas e as flores das saudades

e as corças leves perfumadas de miragens.

EM SOLIDEZ GASOSA II

Estes páramos em que habita a solidão

são povoados por imagens multiformes,

ao conferir racional bem desconformes,

quais fantasmas de bruma e de emoção.

Quando palmilho essa paragem de ilusão,

vejo as formas de luz serpentiformes

ou os fiapos esgazeados e disformes,

cada qual a desnudar nova paixão.

Uma é castelo e a outra uma choupana;

aqui eu vejo o arado, ali a espada,

cá estão a anciã antiga e a mulher bela

e lá um coro de crianças em gincana

ou procissões em marcha para o nada,

fumaças murchas a brotar de cada vela.

EM SOLIDEZ GASOSA III

Sei muito bem que os turbilhões de gases

não têm em si qualquer profundidade;

que o monstro que me ataca, em sua maldade,

não é mais que um parpadear sem quaisquer bases

e que a frecha a projetar-se dos carcazes,

que me perfura o peito, em intensidade,

não me provoca ferida de verdade,

logo se perde e se divide em muitas fases

e que os golpes que desfiro aos inimigos

só os atravessam como se corta o pó;

inatingíveis são, como as donzelas

que ali abraço, nos anseios mais antigos

e se desfazem, para deixar-me só,

com meus queixumes a arder-me nas costelas.

EM SOLIDEZ GASOSA IV

Sou eu apenas que lhes cedo a solidez,

na proporção em que lhes aplico o sentimento;

todos são filhos de meu padecimento

e nunca mentem nem me tratam com dobrez;

assim tais beijos são de pura solidez,

enquanto abraço meu próprio julgamento

e me consumo em total desgastamento,

ao conferir a meus espectros a altivez;

e assim piso nos caminhos de ouro e areia,

sob a sombra das florestas que criei,

de braço dado com as sombras delas,

pois é só com meu calor que me incendiei;

sou eu a origem desse olor que respirei,

mas pouco importa, pois mesmo assim são belas!

VISITA DA SAUDADE I (11 AGO 12)

Nessas planícies torpes de minha alma,

que, sem saber, eu tão só navegarei,

por entre as brumas, por ti eu buscarei,

na pavidez contida em plena calma.

Apenas teu carinho será a palma

em que o ardor de meu rosto abanarei;

e teu perfume, bem de longe, sentirei,

meu faro em busca desse odor que embalma!

Essas planícies com minhas lágrimas eu fiz:

delas brotou toda a sua vegetação;

das plantas mortas se formou a terra;

e nessa terra replantar eu quis

os arbustos do queixume e da emoção,

em cada prado que o coração encerra.

VISITA DA SAUDADE II

Já descrevi a plena geografia

dessa nação em que viajo como um rei,

embora a pé as suas sendas palmilhei,

a condensar-se nos bosques da magia.

Cada semente a expirar plantei,

num bafo branco com sabor de nostalgia,

meus dentes feitos vulcões de fancaria,

em bosques os cabelos transformei.

De meus suores já brotaram rios,

de meus adubos surgiu mais vegetação,

os pássaros e avezinhas fiz de afago;

e as cordilheiras se alçaram de meus brios,

a atmosfera a ressumbrar de meu pulmão,

e cada pranto foi condensar-se em lago.

VISITA DA SAUDADE III

Com as células das mãos criei cidades;

são minhas gotas de sangue os habitantes,

são minhas memórias girafas e elefantes,

pastam ovelhas nos prados das vaidades.

Os meus orgulhos empreguei, às saciedades,

para os castelos e moradas de gigantes;

criei elfos e gnomos deslumbrantes

e as fadas dançam nessas sociedades.

Templos ergui com minhas deficiências,

de imperfeições eu construí altares

e de meus medos os ídolos supremos.

Os sacerdotes foram minhas decadências,

com meus fracassos esculpi os remos

para minhas balsas de antigos avatares...

VISITA DA SAUDADE IV

Só não usei para nada os meus pecados,

pois descobri não dispor de qualquer um;

já os queimara nas piras do comum,

achas de lenha de sonhos ressecados...

Meus súditos são de pele constelados,

trazem-me vinho, hidromel e escuro rum,

tenho odaliscas sem pudor algum,

sem discussão me obedecem meus soldados.

E por que dissentiriam, se são meus

os fios neurais da perfeita humanidade?

que assim se portam tal e qual os via...

mas nas mulheres só diviso os traços teus

e cada uma apelida-se “saudade”,

pois nunca tive essa visita que eu queria...