No alto dos seus quarenta e poucos.

Te conheci em algum lugar distante

Já não era a menina de outrora

Tinha as marcas do tempo no rosto

E nas mãos,sim suas mãos,aquelas que me doaram a vida

Em outros tempos,naqueles nossos tempos de namoro e beijos roubados

Seu cheiro impregnou-me a alma,tive ânsias de prender-te para não mais soltar

E nossos lábios se viram num ósculo de almas que se conversaram

Seu perfume de mulher embriaga-me as vistas, e tonto me entrego.

Será o amor de outros tempos?

Já não existe em você o viço dos vinte anos

Nem o gosto dos trinta,mas tem o charme doce dos quarenta

Quarenta e poucos talvez.Só me recordo dos dezesseis,naqueles nossos tempos de fuga

De fuga da vida,de fuga da alma de fuga de tudo.

Sou o homem refeito,aquele menino ao qual você amava

Que dizia ser herói para proteger-te dos outros

Que te olhava tímido,por debaixo dos óculos, que te amava em silencio

Em outros tempos,os de angustia,quando você ainda não me via.

E você é a mulher,por quem perco noites inteiras

Por quem componho versos sublimes,por quem bebo,por quem morro e por quem blefo

Sim,eu blefo,pois só assim encontrarei um modo de te ter mais perto

No blefe da minha alma em pânico, que captou desentendida sua chegada furtiva.

Acho que nascestes em Janeiro, ou em dezembro, não me atenho a datas sem importância.

Sei que nascestes criança como todos, mas com a inquietude de uma mulher já nascida contigo.

Naqueles nossos tempos, procurei a mulher nos seus olhos, lindos olhos desumanos.

Que se riam das minhas imperfeições físicas e até das minhas gagueiras envergonhadas

Eu lia versos, falava-os pausados para que pudesse ouvir.

Você os ouvia, eram versos de um poeta que amava.

Eram versos meus para você, acho que hoje eles já não valem tanto.

Hoje nem deves lembrá-los, que pena, eu ainda os guardo.

Em outros tempos, quando ainda caminhavas em direção à escola.

Eu com meu sorriso mecânico, cheio de engrenagens e birros.

Te olhava alegre, estava sempre tão bonita, com as amigas esnobes e feias.

Gordas, cheias de espinhas, mas você era linda. Linda como a última flor que lhe dei

Hoje fazes o mesmo caminho, vais rumo à escola, não mais com as amigas esnobes e feias.

Vais buscar a sua outra parte, aquela que se desprende e vira um outro eu nosso.

Como eu queria fazer parte desse outro eu, ser um pouco dele e ele um pouco meu.

Com os seus olhos é claro e o meu sorriso de engrenagens e birros.

Te conheci novamente, mulher madura ainda com o doce olhar da menina.

Com a formosura que outrora me roubava às tardes na praça

A admirar seu passo onduloso em direção a alguma lojinha próxima

Eu olhava, eu queria... Deus,como eu queria

Como na primeira vez que nos tocamos, virgens os dois.

Eu mais do que você, assustei-me com sua habilidade de amar.

Amava bonito, como alguém que conhece ao fundo tudo dessa arte fascinante.

Eu amava tímido, sem gemidos nem tormentos, apenas amava.

Imagino se ainda amas como em outros tempos.

Talvez ame mais hoje, no alto dos seus quarenta e poucos.

Na sua beleza madura, deves conhecer bem essas malicias que só ganhamos,

No alto dos nossos quarenta e poucos.

Aproximei-me, olhei-lhe e vi...

Tinhas ainda o mesmo sorriso de orvalho e a mesma maciez de veludo

Inquietei-me e afastei-me da sua presença

Pois hoje seu mundo pertence a outro, não ao outro de outrora.

Mas ao outro que lhe faz a mulher que és agora

No alto dos seus quarenta e poucos...

Carol S Antunes
Enviado por Carol S Antunes em 17/08/2012
Código do texto: T3835751
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