SEU OLHAR NO MEU OLHAR
Posso esquecer tudo que vivemos, afinal não
consigo remontar meu presente e futuro com
vestígios de um passado mal resolvido.
Posso ignorar o fato de que morro quando te vejo
passar.
Passar de forma tão distante que, nem de longe,
lembra mais aquele que um dia me carregou nos
braços envolvidos de ternura e de uma doce e
súbita ilusão de quem amaria para sempre.
Posso fingir também que não me lembro de que
contava nos dedos os minutos para te ver.
A emoção de escolher a roupa certa, o penteado
ideal e até o detalhe da lingerie que agradaria
mais.
Jogarei fora as lembranças do pulsar do coração
que acelerado não disfarçava quando te via chegar
e, ao me beijar, deixava-me sem saber qual palavra
escolher com medo de errar, parecendo uma
criança que se embaraça ao receber um presente
novo e não sabe como agradecer.
Apenas uma coisa não poderia fazer... apagar o
brilho do seu olhar ao defrontar-se com o meu,
pois por milésimos de segundos, trazia-me o
amparo que esperei por todo meu viver.
Quando me lembro de nós dois, jamais poderia
esquecer-me de como isso ficava marcado nas
noites frias em que me esquentava com teu corpo
e, ao abraçar-me, olhava-me nos olhos como
sendo o detentor de toda verdade universal e
única.
Aquela verdade que buscamos durante toda uma
vida e nos escapa em seguida por consequência
das incertezas do destino.
Esqueço seu toque.
Esqueço sua boca.
Esqueço a forma de me seduzir e dominar.
Vou ousar esquecer-me do teu cheiro...
Mas deixe-me uma lembrança!
A lembrança da certeza de que um dia fui amada,
pois como poderia um olhar que erradia tanta luz
enganar?
Engana-se a si mesmo se nega o ápice ali vivido.
Impossível se traduzir em ilusão tanta magia e
entrega na junção que se fazia nesses momentos
únicos de inquestionável frequência e troca
afetuosa.
E meu único acalanto é saber que ainda está aqui
no momento em que busco as lembranças daquele
tão doce e puro olhar em meu mais profundo e
indesvendado desejo inconsciente.