SEM RIMA 292.- ... definindo o amor? ...

Num soneto atribuído ao Camões (1525? - 1580?), o Amor é definido mercê de conceitos (transmitidos por vocábulos) contrários, segundo o gosto petrarquista. Lembram?:

Amor é fogo que arde sem se ver,

É ferida que dói e não se sente,

É um contentamento descontente,

É dor que desatina sem doer. [...]

Quevedo (1580-1645), escritor e político castelhano, traduz e adapta o soneto camoniano:

Es hielo abrasador, es fuego helado,

es herida que duele y no se siente,

es un soñado bien, un mal presente,

es un breve descanso muy cansado. [...]

Se tivesse transcrito os sonetos completos,

poderia comprovar-se que foi Quevedo a imitar

o soneto de Camões. Mas este, pobrinho,

não podia denunciá-lo perante os juízes literários

nem, menos ainda, à Santa Inquisição,

instituição que de Amor nada conhecia,

apenas cultivava (e quanto!) o temor e a tortura

para os inquisitados conseguirem a verdade

revelada... a que os inquisidores declaravam

em cada momento verdade manifesta...

O toscano Francesco Petrarca (1304 - 1374),

adiantou-se ao teutão Niccolò Cusano (1401 - 1464)

na cultivação das amizades tão contraditórias

quanto sedutoras:

Petrarca, sobre o Amor humano,

gelo e fogo; o Cusano, sobre a ciência divina,

douta ignorância.

Quem no mundo pode

definir o Amor?

Ninguém, apenas transitoriamente

experimentá-lo pelos caminhos sinuosos

do corpo caduco e do tempo fugaz.

Quem

no mundo impreciso das religiões será capaz

de esclarecer aos rústicos, que somos, a essência

da divindade?

Mistérios que nos envolvem

apenas se revelam como lôstregos* de pensares

vazios:

O Amor humano carece de toda a razão;

racionalizar o Amor vale tanto como frigir a neve...

A divindade, escorregadiça como serpente efêmera,

nega a face aos adoradores que a buscam,

mesmo aos mais humildes e submissos,

num pincha-carneiro** estremecedor,

segundo fica demostrado no filme

"Dogma", espantos mistura

de humor e gravidade...

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(*) "lôstrego" s. m. (1) Resplandor muito vivo e súbito, nas nuvens, produzido por uma descarga eléctrica.

(**) "pincha-carneiro" s. m. (1) Volta dada apoiando os braços ou a cabeça no chão e deixando-se cair de costas, viravolta.