Falando da espera.
A espera dilacera, descama, desafia,
confunde os cafunés da alma,
emperra os arpões do coração,
descabela cada poro do corpo.
A espera empaca os sonhos,
enxarca as unhas, desembesta o olhar,
faz a vida ficar febril, tonta, tola,
oca, abortada.
A espera emporcalha o prazer,
afoga as lágrimas que ainda não nasceram,
congela o tempo, a luz, a cor, a dor.
A espera faz o sangue se calar de vez,
autopsia os sonhos, as fronhas, os gozos,
faz tudo ficar visto, ficar sentido, ficar aflito,
ficar esquisito, ficar vencido, ficar mofado,
ficar moído.
A espera esquizofreniza a razão, esmaga o suor,
dá vontade de gritar, mas a voz cadê?
Dá vontade de chorar, mas a coragem cadê?
Dá vontade de morrer, mas o álibi cadê?
A espera faz seu próprio algoz, faz sua própria alforria,
faz sua própria alegoria.
Quando se percebe limpa, se traduz encardida,
quando se conhece desnuda não há nada mais a fazer,
só esperar.
E esperar.
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