Um sonho no sonho

Este beijo em tua fronte deponho!

Vou partir. E bem pode, quem parte,

francamente aqui vir confessar-te

que bastante razão tinhas, quando

comparaste meus dias a um sonho.

Se a esperança se vai, esvoaçando,

que me importa se é noite ou se é dia...

ente real ou visão fugidia?

De maneira qualquer fugiria.

O que vejo, o que sou e suponho

não é mais do que um sonho num sonho.

Fico em meio ao clamor, que se alteia 8

"O futuro é belo e bom!"

- clama o som,

que arrebata, com em êxtases divinos,

no balanço repicante que lá soa,

que tão bem, tão bem ecoa

na vibrante voz dos sinos, sinos, sinos,

carrilhões e sinos, sinos,

no rimado, consonante som dos sinos.

III Escuta: em longo alarma bradam sinos,

brônzeos sinos!

Ah! que história de agonia, turbulenta, se anuncia!

Treme a noite, com pavor, quando os ouve em seu bramido assustador.

Tanto é o medo que, incapazes de falar,

se limitam a gritar,

em tons frouxos, desiguais,

clamorosos, apelando por clemência ao surdo fogo,

contendendo loucamente com o frenesi do fogo,

que se lança bem mais alto,

que em desejo audaz estua

de, no empenho resoluto de algum salto

(sim! agora ou nunca mais!),

alcançar a fronte pálida da lua!

Oh! os sinos, sinos, sinos!

De que lenda pavorosa, de alarmar,

falam tanto?

Clangorantes, ululantes, graves, finos,

quanto espanto vertem, quanto,

no fremente seio do ar!

E por eles bem a gente sabe - ouvindo

seu tinido,

seu bramido -

se o perigo é vindo ou findo.

Bem distintamente o ouvido reconhece

pela luta,

na disputa,

se o perigo morre ou cresce,

pela ampliante ou descrescente voz colérica dos sinos,

badalante voz dos sinos,

sim, dos sinos, sim, dos sinos,

do clamor e do clangor que vêm dos sinos!

IV 10

Escuta: dobram, lentamente, os sinos,

férreos sinos!

Ah! que mundo pensares tão solenes põem nos ares!

Na silente noite fria,

quando a alma se arrepia

à ameaça desse canto melancólico de espanto!

Pois em cada som saído

da garganta enferrujada

há um gemido!

E os sineiros (ah! essa gente

que, habitando o campanário

solitário,

vai dobrando, badalando a redobrada

voz monótona e envolvente...),

quão ufanos ficam eles, quando vão

tombar pedras sobre o humano coração!

Nem mulher nem homem são,

nem são feras: nada mais

do que seres fantasmais.

E é seu Rei quem assim tange,

é quem tange, e dobra, e tange.

E reboa

triunfal, do sino, a loa!

E seu peito de ventura se intumesce

com os hinos funerários lá dos sinos;

dança, ulula, e bem parece

ter o Tempo num compasso tão constante

qual de rúnico descante,

pelos hinos lá dos sinos!

Ah! dos sinos!

Leva o Tempo num compasso tão constante

como em rúnico descante,

pela pulsação dos sinos,

a plangente voz dos sinos,

pelo soluçar dos sinos!

Leva o Tempo num compasso tão constante,

que a dobrar se sente, ovante,

bem felizesse rúnico descante,

com o reboar que vem dos sinos,

a gemente voz dos sinos,

o clamor que sai dos sinos,

a alucinação dos sinos,

o angustioso,

lamentoso, lutuoso som dos sinos!

Edgar Allan Poe

Zorro Poeta
Enviado por Zorro Poeta em 24/06/2012
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