Um rosto na areia
Dia após dia ele pinta de cor o rosto dela na areia,
olhos puxados e nariz arrebitado que enfrentam o mar,
aquele meio sorriso pairando na paisagem,
as ondas em seu vai e vem apagam seus traços,
mesmo assim ele os refaz à cada manhã,
cabelos eriçados pelas conchas encrustadas,
seu perfil assume forma e contorno,
ele a define em uma aquarela de sal marinho,
ressignificando dia após dia seu turbilhão pessoal,
sejam dias de chuva ou dias ensolarados,
ele a reconstrói em suas memórias,
luta contra a força repetitiva da natureza,
inscreve nas margens da praia suas digitais,
sentimentos de um amor declarado,
conta ao público passante sua história,
sonhos jamais vivenciados no chão de concreto,
esse amor inacabado que revive sempre,
esse vínculo de alma e corpo nunca tocados,
essa dança de sedução e maldição que o assola,
essa emoção que desliza na ponta de um graveto,
dia após dia ele grava na areia o rosto de sua amada,
ele é apenas um homem esquecido nas sendas do tempo,
ele é apenas um homem apaixonado na curva da vida,
ele é apenas um homem teimoso desenhando sua tormenta...