DISSIDÊNCIA & MAIS

DISSIDÊNCIA I (25 abr 12)

O que fazer com meu amor de outono?

Se ao menos fosse fácil, quando o sono

Finalmente a outro reino me conduz

E me percebo caminhando à luz

Desses teus olhos mornos e salgados,

Teus passos junto aos meus, descompassados

Por sentimentos de tanta variação,

Por vezes já rendida, de outras não,

Na brincadeira do vago sentimento...

Quando o alvo atinges, apenas um momento

Te tornas dadivosa; e pronto se retrai

Essa inconstância tua; e logo sai

De tua boca de novo o hálito da espera.

Enquanto a alma encolhe e o peito reverbera.

DISSIDÊNCIA II

O que fazer com meu amor de inverno?

Quando o calor se faz muito mais terno,

Nessa busca de um encaixe de colher,

Em puro sono, sem amor fazer sequer.

Lentas correntes a descer pela vidraça

Nessa condensação que se desfaça

E dos cabelos o enxampuado cheiro

Esparramado sobre o travesseiro...

O que fazer da amarga companhia

Que me atravessa o peito noite e dia

E até me olha com certa compaixão

Pelas horas perdidas, na emoção

Com que passo a contemplar estas janelas

Emaranhado em rimas paralelas...

DISSIDÊNCIA III

O que fazer com meu amor de primavera,

Que me flui e reflui, qual besta-fera,

Que me faz quase suplicar por anuência

E as mais das vezes, encontrar a dissidência?

Por que esse amor, ainda embora seja terno

Já de há muito desistiu de ser eterno,

De uma presença real a aceitação,

Do sacramento de imperfeita comunhão.

Que seja amor de rosas e fragrante

De orquídeas inodoras, amor vagrante

De estrelitzias e hibiscos sempre em flor,

Quando quero tão só a flor do amor

Que se me nega abrir-se em azedume,

Sem o botão me nutrir com seu perfume...

DISSIDÊNCIA IV

E que fazer com meu amor nesse verão

Marchetado com o odor da sudação,

Visitado pelos filhos do calor

Mosquitos e baratas, no estertor,

Sob os efeitos fatais do inseticida,

Borrifado com pendor de suicida,

No meu desejo de calorcidar o tempo,

Temperá-lo um pouco mais a meu contento?

E que fazer com este tema tão batido

Que até Vivaldi tinha em música inserido?

Ou que Hesíodo, oh, deuses do passado!

Descreveu no seu poema consagrado?

E me sinto em dissidência e genocídio,

Na ânsia pura de praticar um amoricídio!...

DISFORIA I (26/4/2012)

ela se afasta e neste Desconsolo,

quando tudo me acena e não Promete,

qual manequim envolta em seu Confete,

meu coração martelado num Monjolo,

e permanece enevoada neste Dolo

e então retorna, tal como se Complete

a sedução proferida em Ramalhete,

que mais se afirma no coração do Tolo,

já que não é quando bate no Pilão

que tem mais força a estrela Feminina,

mas no momento em que lhe bate o Pulso,

quando melhor nos forja em Ilusão

e então retorna e, triunfal, Destina

o pêndulo oscilante em vasto Impulso.

DISFORIA II

mas se retorna, é para me Sugar

qualquer resquício de Masculinidade;

ela se impõe, plena de Feminilidade

e é seu desejo que deve-me Empolgar.

ela se afirma no eterno Retornar

como senhora até da Eternidade,

do meu destino a magia da Verdade,

meu fado inteiro em lento Apunhalar.

porém não sofro e muito menos Choro;

mostro mais a aceitação da Indiferença,

que para mim tantas vezes já Ocorreu.

e quando se retira, nada Imploro,

mas quando se aproxima, volta a Crença,

maugrado tudo, de que sou ainda Seu.

DISFORIA III

e permanecem os momentos de Euforia,

em mangra e mescla de Resignação:

o que os deuses estendem com sua Mão

com a outra retiram, em Zombaria.

pois nada ocorre sem um laivo de Ironia

nisso que tange à divina Aceitação;

é isso que buscam, não minha Devoção,

sou instrumento da divina Sinfonia.

e se me dão partitura a Executar

devo cumpri-la tanto melhor que Possa,

evitando da discórdia Partilhar,

que a melodia à conclusão Irá

e à minha revolta fará vista Grossa,

e até a coda final se Cumprirá.

DISFORIA IV

pois é assim que se passou Comigo,

em meu instável Relacionamento:

igual que aos deuses age, em seu Portento

e evitar o seu desejo não Consigo.

já de há muito me enleei, por meu Perigo;

submetido estou ao Julgamento,

bem envolvido no Reconhecimento

de que um amante nunca pode ser Amigo.

sempre exerce a mulher a Tirania,

consciente de sua força e seu Poder;

tudo observa, sem se Comprometer,

enquanto o amante se curva, em sua Folia,

sempre na ânsia de um sorriso Receber,

pelo alto preço de tal Mercadoria.

ESTERTOR DO TEMPO I (27 ABR 12)

O corte que talhaste na minha alma

não se cura tão fácil... É lesão

demais profunda. Não é qualquer perdão

que me possa restaurar a antiga calma.

Tomei da agulha e cosi, com fios de palma

esse talho hemorrágico, mas não

consegui estancar essa paixão,

que ainda jorrou por anos sangue dalma.

Não há muito que fazer em alma rasgada:

de nada servem araldite ou outra cola,

nem sequer com durepóxi se fecha,

mas é por essa dor transfigurada

que a arte surge e que a poesia rola

e o verso escorre enquanto a alma se queixa.

ESTERTOR DO TEMPO II

Mantenho o cetro marchetado dessa Europa

nas mil canções que passo a derramar.

Razão não vejo qualquer para adotar

falsos motivos para o fim de encher-me a copa.

Quais os motivos índios que se topa,

essa mania de locais denominar,

por romantismo enviesado e um tanto alvar,

deixando para trás da antiga popa

esses modelos de nossos ancestrais,

que silvícolas não foram mas jograis

tocando alaúdes nos banquetes da nobreza;

que embora fossem de singular beleza

esses temas dos antigos madrigais

mal se escutavam entre os risos de vileza.

ESTERTOR DO TEMPO III

E por que trago em minhalma galhardetes

e meus poemas vêm da Renascença,

o amor à música é defeito de nascença

e meus versos usei quais capacetes,

a proteger-me dos punhados de confetes

que na minha boca jogaram por descrença;

por quanto li, só demonstrei sabença,

sete penas de amor em ramalhetes.

Lima Barreto já denunciou em “Quaresma”

o tolo orgulho do modismo nacional,

em se querer adotar língua tupi,

o seu herói transformado em abantesma,

e ainda cantamos, de maneira natural,

o Grito do Ipiranga por aqui...

ESTERTOR DO TEMPO IV

É deste modo que carrego minha mortalha,

arrastando dez correntes literárias;

sem adotar ideologias atrabiliárias,

uso meus dedos como agulha falha.

O meu cordão foi tão só fogo de palha,

o meu tempo estertores, em perdulárias

composições de mil sonhos de párias,

enquanto, pouco a pouco, o peito esgalha.

Porém prossigo por entre meus remendos,

esgarçados, puídos, retocados,

uso saliva de amores recusados,

uso perfume de abraços mais tremendos,

mas se esfiapa o coração em verso

e o tempo apenas me sorri... perverso!

William Lagos
Enviado por William Lagos em 26/05/2012
Código do texto: T3689611
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