PERFUME DA LUA & MAIS
PERFUME DA LUA I (8/4/12)
AINDA SINTO EM MIM O TEU PERFUME
QUE ME DEIXASTE NAS MÃOS E CORPO INTEIRO,
QUE NO MEU VENTRE FICA DERRADEIRO
E QUE CINTILA EM MIM QUAL VAGALUME...
AINDA SINTO EM MIM ESSE AZEDUME
DA AUSÊNCIA DO SABOR DESSE TEU CHEIRO
ESSE GOSTO QUE FAZ MAIS ALTANEIRO
E QUE ME PRENDE COM SEU DOCE GRUME.
MAS AI DE MIM! É UM CHEIRO DE MEMÓRIA
APENAS GOSTO DE PASSADO REDIVIVO,
SOMENTE UM SOM QUE ESCUTO DENTRO EM MIM,
POIS A LEMBRANÇA TUA É SÓ HISTÓRIA,
QUE NÃO REPASSA POR COMPLETO CRIVO,
POIS ESTÁS LONGE E NÃO TE VEJO ENFIM.
PERFUME DA LUA II
AINDA RECORDO TEU CORPO DE CETIM,
A PELE ALVA COM NUANCE DE ROSADO,
CADA MAMILO DE TEU SEIO ALÇADO,
DOIS OUROPÉIS EM ROUPA DE ARLEQUIM.
DE OURO ESSES MAMILOS, DE SEQUIM,
DOURADAS LANTEJOULAS, FIGO AMADO,
COMO ROMÃS SEU BICO AVERMELHADO,
OS TEUS CABELOS FORMANDO O PALANQUIM...
E DE PERMEIO À PELE, ESSES SINAIS
QUE TUA BELEZA REALÇAVAM AINDA MAIS,
PEQUENAS JOIAS DE PURA MELANINA...
E AS GOTAS DE SUOR, PÉROLAS FINAS,
A RECOBRIR TUAS FACES CRISTALINAS,
NA ANTIGA NOITE QUE A MEMÓRIA AINDA FASCINA!
Perfume da lua iii
Ainda trago um olor sob meus dedos
De tantas vezes teu peito acariciado,
Que nas papilas está ainda arraigado,
Sob a epiderme gravados seus segredos.
Toda mulher possui os seus albedos:
O seu brilho sobre a lua derramado.
Não é do sol que traz o tom prateado,
Mas da saliva de seus lábios ledos.
Por isso o astro espia a mulher nua,
Pelas frestas da janela, no seu banho,
Ou quando mostra a nudez em seu ardor...
Quer ser o espelho dela a deusa-lua,
Tão solitária em seu passeio estranho,
Em que não encontra jamais beijo de amor.
PERFUME DA LUA IV
A MAIOR MÁGOA, PORÉM, QUE TEM A LUA
É QUE, EMBORA SE EXPONHA TODA NUA
E SUA PRATA SOBRE NÓS INTEIRA ESTUA,
NÃO NOS PODE ENVIAR O SEU PERFUME...
ELA SE ENVOLVE DA NEBLINA AOS VÉUS,
PERCORRE SOBERANA SEMPRE OS CÉUS,
LANÇA RAIOS ARGÊNTEOS QUAIS ARPÉUS,
HÁ MUITOS SÉCULOS, QUAL É O SEU COSTUME.
PORÉM ROUBANDO DAS MULHERES DA BELEZA,
QUE APÓS REPARTE, GENEROSA, À MULTIDÃO,
SEU LUAR A REVELAR BEIJOS DE AMOR,
NÃO CONSEGUE REPETIR IGUAL PROEZA:
POR MAIS BRILHANTES QUE SEUS RAIOS SÃO,
NÃO ESPARZE A LUA O FEMININO ODOR!...
ESCRIBA DO VERSO I (9 ABR 12)
Tenho um amigo que a Grécia visitou,
depois de muito ler mitologia,
epopeias, tragédias, combates em poesia...
e mil histórias em sua volta me contou!
Disse-me até que a Medusa procurou,
numa ilha em que o povo ainda dizia
que hoje habitava e com o olhar fazia
em pedra transformar-se quem a olhou!
Pois meu amigo contratou um guia,
que o conduziu a um monte muito alto,
em que encontrou estátuas singulares...
A pouco e pouco, de medo se transia
e no caminho viu um ônibus de basalto,
trinta turistas de pedra em seus lugares!
ESCRIBA DO VERSO II
E decidiu então arrepiar caminho!...
Desceram a estrada e, coisa mais terrível,
Para magoar um coração sensível,
Estalou sob seus pés um grosso espinho
e percebeu que era um osso pequeninho...
Mil esqueletos em tal lugar incrível,
de ossos os galhos de cada arbusto horrível
e de costelas faziam as aves ninho!...
E logo adiante, toparam com a Esfinge!
Louco de medo, o guia se encolheu,
mas ele deu-lhe chocolates e chiclete...
E a mania de fazer bola ele lhe impinge!
O monstro da pergunta se esqueceu,
com os turistas, de fato, não se mete...
ESCRIBA DO VERSO III
Mas na saída da ilha, em uma lancha,
foram passar entre Cila e mais Caribdes!
A tal passeio teus amigos não convides,
que o redemoinho mostra horrível mancha
e os recifes se estendem como prancha!
Mas o seu guia, que se chamava Alcides,
de grande prática em todas as suas lides,
passou no meio dos dois, com muita cancha...
O problema é que vieram as Sereias,
que cantando, chegaram até a amurada
e fizeram a lanchinha se virar...
Para a mulher usou palavras meias,
mas me parece esta história mal contada,
pois só daí a um mês o quiseram libertar!
ESCRIBA DO VERSO IV
Mas o largaram na ilha do Gigante!
Aquele ciclope caolho e canibal!...
Mas meu amigo lhe falou do carnaval
e ele achou sua conversa interessante...
Viu um cavalo alado e, num instante,
se agarrou nas crinas do animal!
Que embora o aceitasse muito mal,
o carregou para um lugar distante...
E só o largou na Acrópole de Atenas...
Pouca coisa viu por lá: havia greve...
Pegou um avião para este lado do universo!
Mas não me digam que minto, pois apenas
estou copiando o que a contar se atreve,
nada mais sendo que o escriba deste verso!...
TRAVESSIA
A bordo vinham meus sonhos; antigamente
Usavam uniformes, brava gente,
A enfrentar garbosamente oceanos.
Eram sonhos reais; na fugidia
Luz da manhã o seu olhar luzia,
Contemplado, a sorrir, por veteranos
Que doutras tantas viagens navegavam
E sabiam como os mares destratavam
Os sonhos jovens nas ondas refulgentes:
Que muito em breve, essas tranqüilas ondas
Seriam mais profundas do que as sondas
E os sonhos não seriam suficientes.
Não é que houvessem tantas tempestades:
Foi mais a calmaria, as saciedades,
A despertar em minhalma a sensação
De que tudo era inútil desatino,
Que a multidão dos sonhos de menino
Não era mais que vaga exaltação.
Seguiram no navio, trocando as velas,
Aqueles pobres sonhos, já seqüelas
Do que antes tinham sido; inquietação
Constante no intestino, enjôo manso,
Sabendo que esforçar-se sem descanso
Não impediria sua lenta esgalhação.
Foram sendo superados, um a um,
Amorteceram; afogou-se algum,
Porém a maioria adormeceu.
Do olhar se foi a luz -- ficou desdita,
A luta se manteve, nessa aflita
Contemplação de um ser que não morreu,
Mas não vive tampouco, nessa mágoa
Inconseqüente de trilhar a tábua
Sempre oscilante do velho tombadilho:
Percepção constante e visceral,
Que não importa o ardor mais triunfal
No oceano da vida: escuro e brilho
Independem de nós, são aleatórios,
Os ventos nos arrastam, peremptórios
E o bem e o mal nos chegam sem esforço.
Sobreviveram os sonhos, resistentes,
Porém sabendo que muito mais potentes,
São o acaso e a aleivosia, seu reforço.
Assim os sonhos passaram a cumprir ordens
Dos desgostos, das pragas, das desordens,
Tornaram-se confiáveis e obedientes,
Esperando, talvez, terminaria
Em um porto essa viagem, dia a dia,
Contrário o vento e de tufões freqüentes.
E a bordo vêm meus sonhos, no presente,
Esfarrapados, magoados, no impotente
Esforço de cumprir tanta rotina,
Roídos de escorbuto, doidos, fracos,
Escravos da esperança, pobres cacos,
Com lustro ainda ao fundo da retina.
OUTUBRO
Ah, maio, maio, belo mês de Maio,
tão cedo Junho foste, que de Abril
recordo tão somente o céu de anil
e o tropel sanguissedento em que me esvaio,
nos versos que escrevi desde Janeiro,
na fúria multicor de meu Dezembro,
após o mundo devorar Novembro,
nas esperanças vãs de Fevereiro,
no Março folgazão, logo frustrado,
enquanto Julho aponta e após Agosto,
[que tantos acoimaram dar desgosto...]
mês após mês, do ano cada membro
zombou de uma ilusão: mostrou-me o fado
meus sonhos mortos sem chegar Setembro.
DEGELO
envelheci nos últimos seis Meses,
depois de vários anos de Carência,
em que me olhava ao espelho, com Freqüência,
e percebia, vezes após Vezes,
que nada havia mudado; Anestesiado
o tempo fora em mim; vivia em Coma,
meus sonhos habitavam em Redoma:
cumpria meus deveres com Cuidado.
então sem que esperasse, veio à Mente
uma nova torrente de Esplendores:
refleti meus desgostos, meus Amores,
em novos versos de teor Nascente;
descriogenei, anseios Revivi,
e por viver de novo, Envelheci.
ESTRELA D'ALVA
Foi minha vez primeira: era menino,
Onze anos apenas; e ela, treze.
Ela mal tinha seios; pequenino
Ainda era meu pênis, em que pese
Se alçasse facilmente na ereção,
Sem saber realmente o que fazia.
Antes mesmo de tentar masturbação,
Num ventre de criança se estendia;
E lhe dava prazer -- mais um calor,
Precoce deiscência de uma flor,
Enquanto eu mesmo sequer ejaculava.
Era um pendor gentil, uma luxúria
Isenta ainda de emoção espúria,
Que nem sequer de amor nos maculava...
RECORDAÇÃO IX
Não sei se insisti eu, ou se foi ela:
A trança era dourada e seus cabelos,
Longos, sedosos, nos mais sutis desvelos,
E como me aprouvera ora revê-los!...
Um dia me chamou, de sua janela,
Conversamos os dois, pela retorta
Da alquimia abriu-se aquela porta:
Uma trilha segui; e outra foi morta.
E nunca nos amamos, mas que espanto
O prazer de seus braços, quando o pranto
Escorria de meu ventre para o seu...
Foram tão dolorosos tais amores!...
Ela me encheu de orgasmo e resplendores,
Seu coração, porém, nunca me deu!...
RECORDAÇÃO X
Apenas a delícia na memória
Me resta agora, foi-se toda a mágoa,
Lembram somente um perpassar de glória
Meus olhos duros, dantes rasos d'água...
Foi minha tantas vezes... No entretanto,
Era meu corpo só que ela queria;
E quando não quis mais, perdi meu pranto,
Porque seu peito jamais convenceria...
Nunca me foi fiel, era inconstante,
Para ela fui tão só mais um amante,
Na zombaria do esposo que ultrajava.
E eu... deveria me dar por satisfeito...
Embora fosse o traidor, pelo direito,
Traído me senti, tanto que a amava!...
ESCUMADOR
pois vou fazer um plágio de mim mesmo,
fingir que ainda sou puro, que inocentes
são ainda meus dedos e meus dentes,
meu fígado e meu sangue, que anda a esmo;
eu vou fingir então, que sou poeta,
se bem que nunca fui, sou ferramenta,
que de escrever maus versos se contenta,
brotando fundo da emoção de esteta...
porque poetas... há tantos por ai...
plagiando-se uns aos outros, sem vergonha,
de vestir platitudes, sabor vago e sem sal...
prefiro apenas mostrar quanto sofri,
que poeta não sou, porém quem sonha
em plagiar a si mesmo até o final...
TRIDENTES
outra porta fechou-se, pois se Ocupam
os servos do destino, sem Cessar,
sedulamente meus sonhos a Cortar,
que nem me inquietam mais nem Preocupam
e nem sequer consigo me Abalar:
são dessas coisas que vivem me Ocorrendo,
vez após outra, num fragor Tremendo,
sem que vitória venha me Aliviar;
pois eu sinto pisarem meu Sepulcro,
de cada vez que de minha vida o Fulcro
pareça finalmente Alcandorar:
como se os deuses apenas Balouçassem
a cornucópia murcha e me Atiçassem
para poderem melhor me Espezinhar.
INSPIRADOR
coroadas de cachos e gavinhas
as pisoeiras esmagam frescas uvas,
nas largas bordalesas: longas linhas
de esguichos as recobrem; como luvas
avermelham seus braços; tais quais meias
lhes sobem pelas pernas, quase ao ventre,
enquanto tu, Dionysos, incendeias
o fértil vinho que o fermento adentre.
após ser esmagado, ferve o mosto
e em álcool se transmuta, numa calma
transformação, que me afogueia o rosto,
ao ver meus sonhos a Teus pés imersos;
porque uvas não são: é o sangue d'alma
que se fermenta em vinho nestes versos.
[para meus dois amigos, Sappho e Alkayos].
SOMBRA
ela chegou, consigo trouxe a chuva,
para atiçar em mim o chumbo liquefeito,
ela me deu calor à margem do direito
e, com palavras mudas, estendeu-me a luva,
num gesto antigo assim, em tom de desafio,
se me dispunha então a tudo retomar,
as idas e retornos, hesitações de amar,
na calidez do inverno e gelidez do estio.
nem sei
se poderá
plantar-se
novamente
dentro em
meu coração,
porém trouxe
a semente
e dentro
dessa luva
um gérmen
de botão,
como se lastimara
a perda e que avaliara,
depois de tentar tudo e tudo experimentar,
maior fosse a constância que o drama da paixão.