AMOR ABERTO & MAIS

amor aberto I (18 mar 12)

queria te possuir integralmente,

porém na relação existe um furo

nunca me sinto no total seguro

de teu amor, perfeito e indiferente

é assim impertinente

uma falha sonho puro

e embora firme em meu pendor perduro

esse rasgão existe permanente

como a brecha mantida nestes versos

no véu perlado que queria inteiro

a recobrir-me de amor no dia a dia,

mas não aceito sejam só perversos

estes cortes no aroma derradeiro

quando amor no furo dalma persistia

amor aberto II

quando amor falha se torna num vazio

buraco aberto no interior do peito

parece o coração ter um defeito

nessa surpresa do afeto que ainda crio

nesse vácuo quando rio

nessa lágrima que aceito

faltam versos a que não sinto ter direito

enquanto tal prazer perene adio

e quem tiver talento que preencha

à seu talante a solitária brecha

a dispneia deste meu quarteto

enquanto espero amor para que encha

no meu mosaico tal olhar que o fecha

em seu sorriso de sabor secreto

amor aberto III

porque a barreira eternamente existe

entre uma alma e outra permanente

algum detalhe me torna descontente

algum retalho em teu prazer persiste

porque de fato consiste

no máximo pertinente

os encaixes se afivelam no presente

os fragmentos no passado triste

que conhecer integralmente isto é seguro

é um sinônimo apenas do impossível

e é muito bom até que seja assim

do que perder-se no inconsciente impuro

desse inferno privado do indizível

em que os furos e falhas não têm fim

VENIAGA I [mercadoria] – 19 MAR 12

Eu sei que pela vida os mais fogosos

Se esforçam por ganhar um corpo, um beijo

E tanto mais se esforçam se o desejo

Lhes é frustrado em momentos cobiçosos.

E que, após a conquista, tal anseio

Empalidece e murcha e novos alvos

Se põem a perseguir... esses papalvos,

Que abandonam seus tesouros de permeio...

Eu sei que os outros buscam; como cegam

A sua razão, como se orgulham disso

Que acabam a proclamar com tanto brio.

Quanto a mim, não valorizo o que me negam.

Posso até insistir... lutar por isso,

Mas quando ganho enfim, sinto um vazio.

VENIAGA II

Pois para mim o que vale é o dom gratuito,

Esse amor que vem sentar-se no meu colo

E que concede, afinal, todo o consolo,

Sem da busca ou da caça ter intuito.

A mim conquista o beijo mais fortuito,

De quem não esperava, que vem pô-lo

Sobre meus lábios sem negação ou dolo,

Sem que por ele combater tivesse muito.

É esse o beijo que mais eu valorizo

E que me enche de sincera gratidão,

Esse é o pássaro que prendo na minha mão,

Sem gozar dele apenas com um riso:

Esse se prende fundo ao coração

E é desse modo que o beijo teu preciso.

VENIAGA III

Um beijo simples, tudo ou nada amargurado,

Mas que revele, saudável, seu desejo;

Um beijo em plenitude, sem ter pejo

De ser um beijo fácil de encontrado...

Que nesse beijo seja revelado

Teu coração em inocente arpejo,

Que seja o beijo de oportuno ensejo,

Beijo carícia, por beijo só trocado...

Não esse beijo que parece mercancia,

Que quer perseguição, longo cortejo,

Beijo vendido e assim, beijo comprado,

Em que a mulher se propõe ter mais valia,

Do que o barato masculino beijo,

Qual objeto longamente regateado...

VENIAGA IV

Porque esse beijo que me custou trabalho

É beijo igual às demais coisas da vida:

Na minha mão nada veio de corrida,

Quanto alcancei me custou golpes de malho;

Quanto ganhei nas mãos deixou-me talho,

Minha fortuna foi madrasta desnutrida,

Toda a promessa facilmente recolhida,

Que alguém me afasta para longe o galho,

Igual que a Tântalo, em sua punição,

Embora nada fiz por tal castigo.

E assim o beijo que tanto procurei

E recebi, nesse momento de paixão,

Não foi um beijo de amor que desse abrigo,

Mas tão somente outra coisa que comprei.

O TERCEIRO HÓSPEDE

Abortamos a morte, diariamente,

propositadamente ou por acaso;

para alguns, talvez não seja o prazo,

outros porque a rechaçaram duramente.

B. Traven, que redigia ocultamente,

sob este pseudônimo, até o ocaso,

afirmou, certa vez, que tal atraso

era escolhido deliberadamente.

Quando a morte se põe à cabeceira

de um doente, por certo o levará,

não importam os cuidados que se tenham.

Mas se ficar aos pés, mais sorrateira,

é que, ao contrário, até o protegerá,

não obstante os males que lhe venham...

CROCHETEIRAS

As mariposas do meu entardecer

se ajuntam negras contra a luz do sol

e ao invés de queimar-se no arrebol

se engordam e alimentam sem comer.

As borboletas do meu amanhecer

se ajuntam róseas contra a luz da lua;

formam-se em cachos como fruta nua,

se dessedentam e refrescam sem beber.

Também no coração, as mariposas

juntam as asas e bebem de minha alma

e as borboletas destilam-me sua calma:

fico assim inundado das esposas

que comeram o sol e até beberam

os fios da lua que em mim entreteceram.

LUNETAS

É meu olhar que é feito de magia:

por isso eu vejo o que ninguém percebe,

que sei nem estar lá. A vista bebe

a areia morta, que ao deserto pertencia.

São meus ouvidos que editam a elegia

da alheia música, que ninguém mais concebe

nessa freqüência que a cocléia despercebe,

que antes de mim, nem ao menos existia.

Quando a encontrei, já descria ser mulher

por tanto a vida já zombara dela,

que nem mais crer em si própria conseguia.

E a contemplei em bruma rosicler:

por isso eu vi tantos tesouros nela

que nem sequer ela mesma percebia...

INQUILINOS

São os mortos que projetam longas lanças

de suas órbitas cegas, que nem vêem,

mas que dardejam a inveja dos que crêem

que algo perderam ao longo das andanças.

São os mortos que murmuram esperanças

aos ouvidos dos vivos, pois não têm

as línguas do conselho; e não sustêm,

com dedos finos, nem sequer lembranças.

Contudo lá estão eles, nas suas cinzas,

lascas de osso e pés pulverulentos:

as migalhas do banquete dos insetos.

Cinzas se alçam em busca dos afetos,

dos dejetos olvidados nessas cinzas,

redemoinhadas de antigos sentimentos.

VORAGEM VII

As numerosas interpretações,

soprada a filosófica trombeta,

tocada a lira da religião secreta,

não satisfazem as inquietações.

Nesse fluir das elocubrações,

a alma humana permanece inquieta,

o alvo nunca acerta qualquer seta

e falham, afinal, as conclusões...

Com exceção de uma: que são todas

retalhos tão somente de ilusão,

limitadores jogos de eloqüência...

E o indivíduo se rebela, nessas bodas

malditas... pela plena rejeição

dessa moral tingida de impotência.

VORAGEM VIII

Todavia, embora assim rejeite

a vacuidade da teoria humana,

permanece o indivíduo nessa insana,

vazia busca por resposta que se aceite.

Na escuridão, que o desacerto ajeite

uma pequena luz, de brilho arcano:

que a inteligência acenda, sem mais dano,

a lamparina de um vital deleite.

Por que razão ainda se procura,

depois de tudo ter visto e reprovado?

Por que motivo não é plena a desistência,

após zombar de tanta voz impura?

Há de haver uma razão do nosso lado

que mantenha ainda viva essa paciência.

VORAGEM IX

Pois eis aí: se o homem fosse barro,

apenas pó da terra, quereria

não mais do que o animal que em torno via,

que se come em churrasco ou puxa o carro.

Mas o constante anelo de expressar-se,

demonstra que nós somos muito mais:

que o ser humano não se reduz jamais

a uma fera querendo alimentar-se.

Nosso ser não é somente material:

existe algo que anima a nossa vida,

algo tão superior, que faz pensar.

Existe em nós também o espiritual,

que se intui e pressente e dá guarida:

que se conhece, sem poder tocar...

VORAGEM X

Na penumbra mental há um ente ignorado,

que articula cada um dos movimentos,

frustrando indagações e pensamentos:

o próprio espírito que nos tem acompanhado.

É esse que nos tem aconselhado,

que nos transmite assim conhecimentos

que não se calam em todos os momentos,

por mais que o material tenha gritado.

É por isso que nas suas decepções

o homem ainda busca transcender

do mundo as trevas, limites e ilusões.

A alma sabe que por trás de suas paixões,

existe algo de sólido a manter,

que permanece através das gerações.

VORAGEM XI

O homem busca atender essa inquietude

por suas próprias luzes e, entretanto,

se perde, embaraçado em puro espanto,

enquanto elas se apagam... e se ilude.

Por mais que essa intenção sua vida mude,

não consegue iluminar com riso ou pranto

a fímbria do horizonte, esse recanto

onde se encontra a razão que mais estude.

Sente que a vida passa sem resposta,

enquanto vê se afastar esse horizonte:

por mais que suba, seu âmbito é maior.

Ele apenas vislumbra a longa costa,

além do mar e acima de outro monte,

onde sabe que se esconde seu valor.

VORAGEM XII

O caminho só lhe põe a descoberto

a orientação que lhe dá a Logosofia,

alevantada a qualquer filosofia

que crie o homem em seu pensar incerto.

Até lá, caminhamos num deserto,

nessa prisão dos costumes sem valia,

sem atendermos à luz, que assim nos guia,

de passo a passo, no destino certo.

Somente após ver a carne superada

e esquecidas as conveniências imediatas

é que encontramos essa real ciência,

que nos há de mostrar escancarada

a porta para estradas mais sensatas,

no despertar interno da consciência.

FRAGORES

Vou levar meu coração à ferraria,

para que seja forjado em mil esporas:

a espicaçar a humanidade, sem escoras,

nessas centelhas luzentes dançaria...

Sob os golpes do malho, sofreria

impacto menor que o dessas horas

do desejo gelado em mil demoras,

qual noviciado em clausura de abadia.

Assim, meu coração, forjado em luzes,

no metal lamacento das saudades,

se tornará uma nova eucaristia...

Devorado às migalhas, sem que escuses

profanação de tais sacralidades...

pois, na bigorna, meu sangue esguicharia.

QUANDO A REPRESA QUEBRA

Contemplo as gotas rútilas que escorrem

dos rubis insectiformes desse pranto;

teias vermelhas derramam um tal canto

e se acumulam em grumos que decorrem

da mesma sensação de preces mortas,

de vidraças estonteadas pelas marcas

das papilas dos dedos, das menarcas,

da estéril comunhão das linhas tortas...

As gotas rubras pingam no algodão,

que é carne de meus dedos feitos palha:

torno-me estéril quando a vida falha.

Não é meu ventre que cantará canção:

apenas se projeta, em comunhão,

no instante mesmo que o sangue branco espalha!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 11/05/2012
Código do texto: T3662891
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