Coração Polar

Não sei de que cor são os navios

quando naufragam no meio dos teus braços

sei que há um corpo nunca encontrado algures

e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial

a tua promessa nos mastros de todos os veleiros

a ilha perfumada das tuas pernas

o teu ventre de conchas e corais

a gruta onde me esperas

com teus lábios de espuma e de salsugem

os teus naufrágios

e a grande equação do vento e da viagem

onde o acaso floresce com seus espelhos

seus indícios de rosa e descoberta.

Não sei de que cor é essa linha

onde se cruza a lua e a mastreação

mas sei que em cada rua há uma esquina

uma abertura entre a rotina e a maravilha

há uma hora de fogo para o azul

a hora em que te encontro e não te encontro

há um ângulo ao contrário

uma geometria mágica onde tudo pode ser possível

há um mar imaginário aberto em cada página

não me venham dizer que nunca mais

as rotas nascem do desejo

e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos

quero o teu nome escrito nas marés

nesta cidade onde no sítio mais absurdo

num sentido proibido ou num semáforo

todos os poentes me dizem quem tu és.

Manuel Alegre, in “Senhora das Tempestades”

Zorro Poeta
Enviado por Zorro Poeta em 11/05/2012
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