Amor Místico

Quando a minha alma nasceu

Para onde olhou primeiro,

E viu tudo um nevoeiro,

Foi lá cima para o céu...

Que a alma nunca lhe passa

De ideia a fonte da graça!

Em toda a ânsia de luz,

Em toda a ânsia de gozo,

Sempre aquele olhar ansioso

Nesse ideal de Jesus...

Nesse bem que não se exprime...

Êxtase de amor sublime!

Olhava da solidão,

Onde se sentia presa,

Com a natural tristeza

Dos ferros de uma prisão...

À espera sempre da hora

Que lhe raiasse a aurora!

Bem a chamavam de cá

Sempre os cuidados do dia;

Ela, que nunca os ouvia,

Olhava, mas para lá...

Donde ela mesmo viera,

Donde todo o bem se espera!

Um dia (nem eu sei qual,

Que em suma foi isso há tanto!)

Vê com uns olhos de espanto

Romper-se a névoa geral;

E como um sol recortado

Nesse mar enevoado...

E dentro desse clarão,

Como em círculo de prata,

Que imagem se lhe retrata,

Fosse verdade ou visão?

A mesma que ela apertava

Nos braços quando sonhava.

Mas a visão, em lugar

De vir cair-lhe nos braços,

Voa por esses espaços

Até já mal se avistar...

Indo assim a luz minguando

E indo-se a névoa cerrando!

E hoje a minha alma, não sei

Se nessa névoa cerrada

Vê tal visão embrulhada

Ou nem já vestígios vê...

Sei que se ainda me anima,

É de olhos fitos lá cima.

João de Deus, in 'Campo de Flores'

Zorro Poeta
Enviado por Zorro Poeta em 08/05/2012
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