PRESERVAÇÃO DA VIDA (AHIMSA) & MAIS
AHIMSA I (Não-violência, matar nunca) – (14/2/12)
Sexo é belo, porém mais é a confiança
da mulher que se entrega, sem tardança,
às malhas absolutas do abandono...
E, sem temor, demonstra sua bonança,
quando se deixa revolver no sono,
a alma e o corpo depostos nesse assomo,
apenas vivenciado, na esperança
de um porvir doce de perpétuo abono...
Não sofre sobressaltos em seu zelo,
apenas dorme, em leve ressonar,
qual se largasse a alma em expiração...
Sonhos belos, espero, não um pesadelo
que em algum momento a venha perturbar,
nessa certeza simples da ilusão...
AHIMSA II
Para um seita hindu, vida é sagrada
e nenhum ser se pode maltratar,
mesmo aqueles que os vêm acompanhar,
quais parasitas, não só em sua morada,
mas na carne e na pele ressecada,
os ácaros e fungos a espalhar
outras doenças a nos prejudicar,
pulgas e piolhos em alegre revoada...
Existe até quem cubra o seu nariz,
com um pano qualquer, para impedir
matar a vida que passa, microbiana.
E que estarão errados, quem nos diz?
Só deveriam interromper o seu nutrir
até mesmo da ração vegetariana...
AHIMSA III
E o que acontece, no romper do sonho?
Essas centenas de estranhas criaturas
que assim povoam suas delícias puras
não terão um repentino fim medonho?
Já escutei sobre um saddhu tristonho,
que submetia seu corpo a mil agruras,
em penitência por essas mortes duras
dos próprios sonhos. Eu mesmo me disponho
a recordar ao máximo as quimeras
que encontrei durante o sono, a devanear,
para guardá-las em frascos de cristal.
Ali elas ficam, nas cores das esperas,
essas lembranças órfãs do sonhar,
do bem isentas e inocentes de seu mal.
AHIMSA IV
E o que fazer, quando ao final do sexo,
se expelem para a morte mil gametas?
Na abstinência de ejaculações secretas
há quem se prenda, mas isso é mais complexo,
porque espermatozoides são reflexo
de meia-vida só, estranhas tretas
da natureza que em outro corpo injetas,
para que a vida possa alcançar nexo.
Na abstinência, eles morrem igualmente,
igual que os óvulos, em vermelho banho,
quando essa vida não se chega a completar.
Ai, Ahimsa, filosofia adstringente,
um pensamento à vida tão estranho,
nessa ânsia tola de outra morte se evitar...
AHIMSA V
Qual é a vida, afinal, mais importante,
a dos micro-organismos a flutuar
ou a de quem os pode preservar,
ao manter a própria morte mais distante?
Pois cada vegetal tem delirante
esparzir de suas sementes pelo ar
ou que no solo se vêm depositar:
milhões de mortes para a vida triunfante.
Porque poder só possui o hermafrodita
de sua vida inteiramente preservar;
ou endoameba puramente celular...
que os demais seres espargem a bendita
semente de sua vida, em longa fita,
ao seu redor, para o mundo conservar.
AHIMSA VI
Pois ela dorme assim e o rosto vejo,
seus olhos bem depressa a circular,
por trás das pálpebras, imersa no sonhar...
De quem será o tão sonhado beijo?
Será o meu, na raridade desse ensejo?
Quando se sonha, quer-se outrem conquistar.
Outros fantasmas se encontra no abraçar
do sonho erótico, sem que haja o menor pejo.
Ai, Ahimsa!... Eu não quero vê-la assim,
trazendo os vultos do sonho para mim:
quero que finja, ao menos, só querer
os beijos meus em seu triste palpitar
e que morram seus fantasmas de prazer
a cada vez que em meus braços se acordar!
VIDA I
Eu te farei um colar de borboletas,
porém que não pereçam:
sempre possam
adejar continuamente junto ao colo
e te banhar com as sombras
dos arco-íris.
Eu te darei luvas feitas de alevins,
porém que não ressequem:
que flutuem
entre teus dedos feito madrepérolas,
levando o oceano a nadar
sobre tuas mãos.
Eu tecerei um pente de esmeraldas
de trevo rosa entrelaçado
em grama;
e todo o sol que recolheu na véspera
te aquecerá durante os dias
de inverno.
E te urdirei as sandálias mais macias,
tecidas com os pêlos
de animais,
mas não com lã: serão vivas carícias,
para manter-te fresca
no verão.
E, finalmente, com olhos de crianças,
eu lançarei um véu
sobre teu rosto,
para que o mundo vejas com espanto,
na maravilha e resplendor
da vida.
VIDA II
Eu te farei um colar de borboletas,
antes que a lua nova
se apresente.
Em pós de ouro, a vastidão pressente
as madrugadas,
dos anjos prediletas...
Noite após noite às mágoas desafetas
com redes de filó,
serei presente.
Espinhos tomarei, furtivamente,
para compor guirlandas,
tão estetas
em seu feitio, de luz ramificantes,
mágoas de asas, como lepidópteros,
a dançar em teu peito,
eternamente,
em jóias transformadas, ofuscantes,
essas tristezas e feios coleópteros
que furtarei de ti,
como um presente.
BASILISCOS
Não me importa o que perceba o olhar alheio
ao repousar em mim, se me rejeite,
eu não rejeitarei quem não me aceite,
nem buscarei por que me aceite um meio.
Eu sei de meu valor, nesse torneio,
insensato da vida, em que aproveite
as poucas chances que o destine deite
sobre meu colo, em desdenhoso veio.
Pouco me importa que me enxerguem feio,
no aspecto exterior ou nos meus versos:
sua visão é limitada por antolhos...
Porquanto eu vejo o mundo sempre cheio
de fulgores redolentes e diversos,
quero que vejam o mundo por meus olhos.
[Dizem que o basilisco mata com o olhar.]
PRECE IRLANDESA
Que se abra à tua frente a doce estrada,
enquanto às costas o vento, levemente,
te impulsiona a assim seguir em frente,
bem menos árdua tornando a caminhada...
Que brilhe o Sol bem morno na jornada,
aquecendo teu rosto, mansamente;
seja a chuva nos teus campos dom clemente
e fortes cresçam teu trigo e tua cevada...
Estamos longe, porém estamos perto.
cada vez que em ti penso, há um renovo:
moras no fundo de meu coração...
Nosso futuro, quem sabe, ainda é incerto:
e até que surja para nós encontro novo,
que Deus te guarde na palma de Sua Mão!
TRANSEUNTES
Eu olho para o mundo da janela
e vejo as pedras lisas de minha rua.
Quanto esforço alisou a rocha nua,
quantos meus passos também cruzaram nela!
Vejo nas gretas desse calçamento
de calhaus ajustados sem carinho
o mesmo que sucede no mesquinho
desajuste do mais puro sentimento.
Que estão elas ali, por ser pisadas,
esmagadas pelas rodas das carroças
e re-polidas por rodas de borracha!
Que tantas vezes passaram, em suas lidas,
lançando sentimentos em suas fossas
e as arestas apagando em luz de graxa...
COÁGULOS
Parti meus ossos em busca desse amor
inveterado; e nem sequer sorri.
Quebrei-me as pernas e nem padeci
mais do que a bênção fecunda do estertor.
Rasguei-me as veias empós um tal ardor
imoderado; e nem sequer sofri.
Vazio meu coração, nem percebi,
na escala muda do arco-íris incolor...
Nessa tortura branda, assim me giro
no túmulo da alma, sepultando
as ânsias mudas deste amor mesquinho.
E, por quebrar as pernas, já não ando;
e, por perder meu sangue, não respiro,
senão meus versos... secos de carinho.
A CRIPTA MOFADA
Campo santo de beijos é meu peito,
espasmos de desejo contrafeito
provocaram enfartos, em perfeito
fator assassinante dos meus versos.
Que permaneçam em tal periclitante
pilha sem rumo; ou só por um instante
sejam lidos talvez, num murmurante
sussurrar de outros lábios tão dispersos.
Por tua memória de curta duração,
anamnese isenta de sintomas,
manifestada nessa estranha calma,
que me leva a escrever em galardão
essas mil discrepâncias que me tomas:
cacos de vidro entretecidos nalma!...
ESTILINGUES
Eu insisti com a vida, desejando
que os bens da terra caíssem no meu colo;
por tais desejos tão só a garganta esfolo,
porque o destino apenas vai passando...
Cresci, mas aprendi que só tentando
lutar pelo que quero é que irá pô-lo
em meu regaço: comprarei o bolo
com meu trabalho; e nunca derramando
ardentes preces ou anseios caros;
os resultados só chegam quando insistes
e, para amor, não basta um leve toque,
nem persistência de poemas raros...
Mas olha para o céu -- talvez me avistes
derrubando mil estrelas a bodoque...
REGRAS DA VIDA XLIV
Experimente coisas novas. Tenha
em mente que a receita da velhice
é conservar-se sempre na mesmice
de já esperar quanto do mundo venha.
Procure um desafio, que lhe contenha
sabor carnavalesco de momice;
não é preciso lançar-se à esquisitice,
nem vestir-se de monge, na estamenha,
nem tampouco lançar-se numa orgia
de novos alimentos ou lugares,
novos amores ou novas bebedices...
Mas conserve bem jovem sua alegria,
Porque a vida não é feita de tolices,
mas de novas experiências e cantares...
AUREA MEDIOCRITAS
Uma receita para a mocidade
é o interesse sempre renovado:
a teia de opiniões, a aprendizagem,
sadia como a sã curiosidade
de conhecer novas línguas de passagem,
ver um espectro de cores perolado,
de escutar novos ritmos melódicos,
ou contribuir com mais do que episódicos
momentos feitos de pura expectação;
sem precisar lançar-se na vazia
busca incessante de uma satisfação
e muito menos no pendor de reprimi-la:
a vida é mais que isso e desafia
a quem deseja inteira usufrui-la...
ESTÁGIOS
O dealbar é tanto o fim da noite
como o começo do seguinte dia;
e é assim em tudo: o que fugia
de nossos dedos, qual feroz açoite
da morte, é tão somente transitório:
algo termina e algo recomeça;
mas se a vida é transitória, não esqueça
que ao fim de cada evento, seja inglório,
seja pleno de triunfo, principia,
viva, nova ocorrência; quando dói,
basta esperar o fim dessa afecção;
até o ditado proclama como um dia
vem após o outro; e o amor que se destrói
fica guardado no teu coração.