CANGA & MAIS
CANGA I – 17 JAN 12
Eu nada sou sem ti – és forte, pura,
com todas as tuas danças e mudanças,
com tantas esperanças de crianças,
com toda a tua certeza de insegura,
com toda essa atração por desventura,
com todas tuas constantes desandanças,
com toda essa atração das esquivanças
com toda a timidez-desenvoltura,
com toda essa tua mágoa que perdura,
apesar de quanto fiz para apagá-la,
quanto busquei alegrar-te o coração,
com toda a indiferença da tortura,
por nada que eu fizesse por ganhá-la,
mas de todos os meus versos a razão.
CANGA II
Sou nada para ti, no mesmo passo,
nem sequer mais como fonte de conselho,
nem sequer mais como alvo para o relho,
nem sequer considerado o meu abraço...
e nada espero senão teu beijo escasso,
que já me espia de um passado velho,
beijo de nada, reflexo de espelho,
um beijo oculto nesse vidro baço,
que amor de espelho só, de ti consigo,
triste reflexo de meu próprio amor,
amor do amor por si mesmo enamorado:
que nem sequer amor foi meu amigo,
mas me contempla com irônico terror
de que eu realize, afinal, sonho dourado.
CANGA III
Porque esse amor é suor de fantasia
e meu desejo, em reciprocação,
quer beijar a si mesmo, em ilusão,
deseja ser da realidade a zombaria...
Não é amor por ti, mas elegia,
um canto fúnebre de sua própria ação,
uma balada sem exultação,
amor do amor sorrindo de ironia,
pois quanto em ti busquei, jamais queria,
senão pretexto para esse amor doentio
pelo amor falso e inócuo da tristeza,
e quando respondeste, mais tremia
esse reflexo de meu espelho frio,
não mais do que o fulgor de tua beleza.
SOLICITUDE I (1982)
só espero de ti, donzela Meiga,
que não te afastes de mim em Peregrina,
rubra altivez -- resquício de Menina
engastada em seus sonhos de Manteiga...
que não mais te surpreenda o casto Beijo,
sorvido em mútua e simples Compreensão;
se afinidade existe na Emoção,
porque do corpo extirparei Desejo?
que alburno puro, terno e limpo Sexo
quase tão só à vida nos traz Nexo
e nos afaga em sentimento Honesto,
pois te desejo na mais nobre Intenção:
por desdenhar tabus, que mais Detesto,
quero tua carne... e nela, o Coração...
SOLICITUDE II (5 OUT 11)
não se pode fazer Dicotomia
entre esse amor de alma e o amor Carnal.
que seja o amor da carne Natural,
é o verdadeiro amor que se Sentia.
que seja o amor do sonho uma Elegia,
ambos existem, de forma bem Real.
não se pode separar o amor Sexual
desse amor que no peito só Jazia.
porque, afinal, em laivos de Ironia,
nasce o desejo de teu Coração,
nasce o sublime da mesma fonte Pura.
e o amor que a mente inteira Prenderia
é amor de carne e baraço de Emoção,
dentro da pele, em novelo de Ternura.
SOLICITUDE III
e como posso querer teu Coração,
sem desejar a carne que o Recobre?
envolve a pele a emoção que Sobre,
depois da mais feroz Palpitação.
e como posso aspirar à Exaltação
desse amor infinito que nos Dobre,
sem que seja esse amor o anel de Cobre
que te reveste a fonte da Paixão?
a pele envolve a derme que Palpita
e lá no fundo é que palpita a Mente,
dentro do crânio o amor é Transcendente,
mas é na carne que a emoção se Agita,
nesses tremores de temor Incandescente
que o amor sensual frequente nos Excita.
SOLICITUDE IV
o puro amor que habita no teu Peito
é resguardado por carne Macia
e esse amor que meu peito Pressentia
é o mesmo amor a que a pele tem Direito.
não há amor que não se ache Sujeito
aos ditamos da alma que o Regia,
porém na carne vive essa alma Esguia
e fora dela sofre o amor Defeito.
que seja amor então puro e Integral,
na mesma íntegra e real Solicitude,
amor de carne e amor feito Ilusão.
amor da mente e da alma Natural,
amor que prende e amor que não se Ilude
nesse canal que conduz ao Coração.
INTERMITÊNCIA I (7 OUT 11)
Não saberia dizer se está presente
nas suas ausências, ou se encontra
ausente nas presenças. Desencontra
da mente o seu olhar subjacente,
perdida nos páramos do inconsciente
nas montanhas do sono se recontra,
no devaneio a face é baça montra,
na distração parece mais paciente,
mas não o é de fato. Seus problemas
infundem toda a alma e mal recorda
alguém ao lado em busca de atenção
e contudo me prende em suas algemas
e ainda ausente envolve-me na corda
que tange os sinos de meu coração.
INTERMITÊNCIA II
E como é estranha esta sua intermitência!
ela se acende e apaga como estrela,
igual que nuvem, com sua branca vela,
lhe recobrisse o brilho de impaciência...
e nunca sei quando irá mostrar tendência
de simplesmente esquecer-se dela;
mais que de mim, algo se espelha nela,
do mais profundo de sua incognoscência.
e simplesmente prossegue no que faz,
pois nem parece perceber o automatismo,
e algumas vezes corta os dedos ou se queima,
quando em rotinas culinárias se compraz,
no auto-exame ou talvez em seu autismo,
negando que aconteça, em pura teima.
INTERMITÊNCIA III
Já tempo houve em que disso me queixava,
prejulgando fosse falta de atenção,
mas vendo os anos passar em procissão,
percebi não ser a mim que ela afastava,
mas que nas dobras da mente se alojava,
como perdida em sutil meditação,
que lhe roubava a consciência desse então
e noutros eventos antigos a entranhava;
pois, de repente, seu olhar luzia
e retomava a conversa nesse ponto
em que fora interrompida, qual não o fora
e se eu falasse, meio se ofendia,
achando apenas que lhe narrasse um conto
para dela troçar naquela hora...
INTERMITÊNCIA IV
Nunca entendi aonde, realmente,
ela se perde por redes neurais,
se está ausente dos fatos materiais
ou em mundo mais real seja presente;
não a quero seguir completamente,
mas às vezes, sinto medos naturais
de que fique tão perdida no jamais
que não retorne mais para o consciente...
Talvez eu nem devera ter escrito
os parcas linhas destes versos duros:
até parece invasão de intimidade.
mas meus egoísmos têm fundamentos puros,
já que a desejo aqui,na realidade,
permanente neste mundo em que eu habito.
SUNJEI UJONG I (8 OUT 11)
Deitada sobre mim, sei só buscava
causar ciúmes no homem que queria.
Desse prazer eu por certo usufruía,
não era tolo e nada rejeitava.
Mas nem por um momento me iludia
que essa mulher mais velha que abraçava
e que dizia, às vezes, que me amava
fosse sincera em quanto proferia.
Eu de minha parte, sei que não a amei,
embora a amasse então mais carnalmente
e muitas vezes, descuidado, ejaculei,
nesse prazer que me dava, avidamente,
que prontamente retribuí, bem sei,
nessa amizade sem amor presente.
SUNJEI UJONG II
Foram tardes de amor, perto da sanga,
em que meu corpo percorria sem reserva.
Ainda sinto o cheiro dessa erva,
mesclado a seios com sabor de manga.
E suas gotas de saliva, qual miçanga,
a percorrer-me a queixo, que conserva
ainda o gosto da ambição que ferva
desde as entranhas, em dourada canga.
E sua cabeça em lesto movimento,
enquanto os lábios anelavam homenagem
e ondulavam ao vento suas madeixas.
Até sugar-me o derradeiro alento
para eu então retribuir libidinagem
e a estimulasse até ouvir-lhe as queixas...
SUNJEI UJONG III
Talvez essa mulher que me sugava,
julgasse que estivesse a me iniciar.
Às suas questões me pude desviar,
pensasse assim que algo me ensinava...
Mas acredito que só experimentava
o que nunca se atrevera a realizar.
Quais os motivos desse amplo desvelar
eu nunca plenamente interpretava...
E apesar de existir tanto perigo,
naqueles tempos de grande repressão,
deu-me seu ventre em plena aceitação.
Mas esse amor de xirca, amor antigo,
amor de relva em campo de alecrim,
foi doce amor que derramou-se em mim.
SUNJEI UJONG IV
Nunca me amou, nem eu tampouco amei,
mais ainda lembro de sua redolência.
Foram dedos e língua em permanência,
porque, de fato, nunca a penetrei.
Contra as paredes, às vezes, a encostei
e tal ato repetimos com frequência,
mas apenas no exterior, doce impotência,
foi contra a pele que sempre ejaculei.
E sei que esse carinho lhe bastava,
quando gemia e me cobrava mais,
a apertar-me firme contra ela...
E que "fora feliz" me proclamava,
nesses momentos quase fraternais,
em que a possuía, sem de fato tê-la.