VAGAS LEMBRANÇAS &+

VAGAS LEMBRANÇAS I – 10 jan 12

Perdi-me pela névoa do desejo

e por muitos descaminhos eu andei.

Um beijo não é nada – assim pensei,

ao percorrer o desvio de cada ensejo...

Mas a cada desencontro, então me aleijo

e dessa busca me afastar não sei;

bem mais difícil que se eu fosse um rei,

mas só fui o rei dos ratos no meu queijo.

Um dia, despertei do desacato,

após noite de amor mais intrigante:

senti teus beijos nas pestanas já...

E com a língua colada a meu palato,

toquei a face com os dedos nesse instante,

só para ver se meu rosto estava lá.

VAGAS LEMBRANÇAS II

Que amor de névoa é bem fantasmagórico:

de quem os beijos que os olhos me osculavam?

Qual fora a dama que essas brumas reciclavam?

Porque seu toque era firme e categórico!...

Lembrei outros fantasmas nesse histórico,

planger do sino que as boias apitavam;

eram dedos de neblina que escapavam

e me prendiam nesse abraço tão eufórico...

Mas de manhã, ao dissipar-se a bruma,

apenas via um contorno nos lençóis,

que toda amante se havia esvanecido...

E nessa vaga lembrança que costuma,

busquei em vão teus meigos caracóis,

ao te sentir junto a mim, quente ferida.

VAGAS LEMBRANÇAS III

Porque amor sempre é ferida e, antigamente,

chamavam “lábios” às bordas da ferida

e chamam lábios à entrada mais querida

do corpo da mulher, até o presente...

E nessa névoa é a alma malferida

que corta os lábios do nevoeiro permanente,

em cada bruma recordação plangente,

em cada cerração, alma sofrida...

Por isso, quando beijos de saliva

fecham-me as pálpebras, em meu doce acordar,

sou perseguido por lembrança antiga.

Vaga que seja, é a névoa da gengiva,

que a cada expiração vem-me tocar,

que faz mais nítido o cortejo que me siga.

REGRAS DA VIDA LXXIII

Politicamente, se tornou correto

Afirmar não haver crianças más,

Que em sua atitude só encontrarás

O mau comportamento e o desafeto.

Dizer tais coisas sempre foi dileto

À Nova Era e ainda escutarás

Que loucos homicidas deverás

Manter no lar para lhes dar afeto.

Sou contrário a tais coisas. A maldade

Tem de ser dominada. A educação

É o que transforma monstrinhos em humanos;

Mas se a criança tem plena liberdade,

Mais maldade fará, que o coração

É fonte impura de atos desumanos.

PLENILÚNIO – Wm. Lagos, 20/9/78

Escrevi esta noite dez sonetos:

É quanto basta quase pra uma vida!

Tantos que buscam em vão achar guarida

Na métrica sutil dos seus tercetos...

Com este, serão dez, que desatino!

As comportas abri, com violência,

E o verso se derrama, sem cadência,

Na vastidão feroz do meu destino!

Será que o dia me trará o açoite

De ventos maus para açular despeito?

Que preço pagarei por este afoite

De compor dez poemas sem defeito?

Nada me importa – porque, nesta noite,

Uivam-me lobos dentro de meu peito!...

IDOS DE DEZEMBRO I (2006)

Passaram os trovões, porém o aspirador

escuto no escritório e nada faço,

perdido na indolência e sem abraço,

gastei em versos a voz do sonhador.

Espero ainda recobrar o espaço:

não descansei durante este afastor,

fiquei mais tenso ainda e sem valor,

para as tarefas empilhadas no regaço:

foi desta tarde somente o resultado

tolhido pelos raios e a limpeza,

em frases tolas e rasas de beleza,

pensamentos a depor sobre cartão,

um mero dia assim desperdiçado,

em apenas sangue negro e papelão.

IDOS DE DEZEMBRO II (8 DEZ 11)

Às vezes, o calor não me permite.

É um esforço até a caneta segurar,

de outras é a saúde a me falhar,

uma enxaqueca que na mente habite.

Mas outras vezes, embora isso me irrite,

o que de fato me impede o trabalhar

é a limpeza que tenho de aceitar,

que o escritório inteiro assim me agite.

Ou então, é o fragor da tempestade,

não que me esconda de medo dos trovões,

que não sou gato enfiado sob a cama...

São os raios que me afetam, na verdade,

que facilmente queimam em torrões

os circuitos a que o trabalho me reclama...

IDOS DE DEZEMBRO III

Vejo-me aqui vazio de romantismo:

os versos que ainda saem escorreitos

apenas me descrevem os defeitos

de um presente manchado de cinismo;

e nem sequer me ataca o saudosismo:

são versos mortos, ao quotidiano afeitos,

às pequenas desgraças mais sujeitos,

buscando perquirir, com realismo,

esses pequenos detalhes de minha vida,

sem interesse ao menos para mim,

mas que vou registrando mesmo assim,

enquanto empreendo das colinas a descida,

montando a mula de minhas indiferenças,

após ter sepultado tantas crenças...

IDOS DE DEZEMBRO IV

É que, de fato, o tempo me furtaram

e assim deixei de lado os vaticínios;

vejo-me atento a mais vagos domínios

desses trabalhos que me acabrunharam,

porque os versos que eu queria, não deixaram

que compusesse e nesses lenocínios

minhas horas prostituo e latrocínios

cometo sobre os poemas que ficaram,

sem nunca ser escritos... e rebelo-me,

que ao invés de mais depressa trabalhar,

acho pretextos para nada terminar

e para os versos desejados gelo-me,

bem mais cansado por tal demorar

que ficaria após os completar...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 13/04/2012
Código do texto: T3610966
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.