ELÊUSIS
ELÊUSIS I (20/11/2009)
Escondido em teus lábios, o meu beijo,
segredo desses tempos que lá vão,
é o percurso de teus dentes em botão,
às gengivas rosadas de outro ensejo.
Através dele, o mundo interno eu vejo:
pela laringe penetro o coração,
exploro cada alvéolo do pulmão,
cada detalhe conheço de teu pejo.
Sempre é triunfo a decepção inglória,
a nuançar cada momento terno,
nessa doçura em que o amargor aliso,
pois oculto, sob a língua da memória,
esse ósculo percorre o mundo externo
e sabe para quem vai teu sorriso...
ELÊUSIS II
Boba... Dizer que foste boba é pouco...
Eu poderia ter-te dado tanto amor,
na multidão dos dias sem calor,
mas me perdeste no momento rouco...
Desvaneceste num sorriso mouco
o meu espanto mesclado de fervor...
E eu que nunca percebera igual vigor
nessa emoção que gere o mundo louco,
eu me afastei... O orgulho foi maior
que a ânsia voraz dessa impaciência...
Saltava o coração nesse funil
que levava à garganta, em tom menor
e nunca mais te olhei com insistência,
exilado de teus olhos cor de anil...
ELÊUSIS III
Anos passado, eu uivava feito lobo:
fanhoso era o clarim de minha vaidade,
olhos abertos para a imoralidade,
no páreo multicor de tanto arroubo...
ou, quem sabe, exercendo um autorroubo,
por timidez, por incapacidade,
talvez só por langor, é bem verdade;
não foste tu... Quiçá fui eu o bobo...
Se tivera insistido, os deuses sabem
o que nos ocorreria, em luz sem par
ou em brigas nos dias transcorridos,
mas limitei-me às penas que me cabem
e assim fazendo, tornei ao meu lugar,
na multidão dos poetas esquecidos...
ELÊUSIS IV
Não partilhei assim de teus mistérios,
chama apolínea de místico fulgor;
foram outros os segredos, outra a dor,
cavernas magras de meus eremitérios....
Com outro enfoque povoei meus monastérios,
outros tijolos serviram meu palor,
outra argamassa arremedou-me amor,
envolvido na razão dos despautérios...
Foi outra a musa que sussurrou, silente,
nas trevas de minha luz clarividente,
na escala gris das cores de minha mágoa
e em meu deserto plantei tamarindeiros,
mas as sementes vieram de terceiros
e as mudas eu reguei com olhos d’água...
ELÊUSIS V
Nessa cascata de giz do teu semblante
bebi teus sons em dons pejorativos:
foram amores comuns, corporativos,
sem o gume de um desvelo mais cortante.
Foram eventos de alheio contemplante,
meias-palavras, não mais, cantos furtivos,
nas entrelinhas de amores inativos,
postas de luz na trama circundante.
Mensagens tão somente, de sentido
que apenas tu, que o sonho partilhavas,
poderias ser capaz de compreender;
mas esse sonho louco, tão comprido,
que nem sei bem, enfim, se tu buscavas,
em pó de giz eu o vi desvanecer.
ELÊUSIS VI
Escondido nos teus olhos, meu desejo,
nas comissuras das pálpebras; furtiva
essa visão periférica da esquiva
luz sideral que nessas córneas vejo;
esfera gris, que gravitando adejo;
eu bem quisera ser tua imagem primitiva,
mas não fui a primeira e nem a viva
ilusão que te reveste em cada ensejo.
Sou tão somente pipilar de passarinho,
no canto de teus olhos, num mesquinho
sussurro descorado de paixão,
engaiolado enfim, nesses teus olhos,
na ânsia inútil de ver outros refolhos,
encastoados no ardiloso coração...
ELÊUSIS VII
Dorme, paixão, vestida de indolência,
paixão esguia, mas nem por isso ágil,
paixão sem nome, ignorância frágil,
que me acomete em ímpeto e frequência.
Paixão de alfanje, paixão de decadência,
paixão de espera, metálica e frangível,
paixão de lama, maleável, intangível,
no palpitar plangente da impotência.
Paixão hospitalar, de penitência
por todo esse desejo que se adia,
por todo o arco-íris luzente que se anoita.
Sem o menor esforço por sua agência
fica a paixão somente em nostalgia,
alcandorada no sonho em que se acoita...
ELÊUSIS VIII
E é tudo como um jogo de xadrez
feito por correspondência. Cada lance
aguarda o instante em que a resposta o alcance:
vai a partida sendo adiada, mês a mês...
Não é o amor de quando o rosto vês
e podes discernir brilho que dance
no fundo de seus olhos, num relance
da furtiva expressão da embriaguez.
Fica assim só a memória da incerteza,
fogo de luz escura, sem nudez,
sem o roçar de leve de teus dedos,
imaginando apenas a beleza
que se esconde lasciva e não se fez
visível pela fenda dos segredos...
ELÊUSIS IX
Se eu soubesse o que fazes, onde andas,
seria bem mais fácil que a suspeita,
inquieta insídia que nunca se ajeita
de imaginar quais atos ou quais bandas...
não que suspeite agitações nefandas
ou mau capricho que no corpo se deleita;
quando muito alguma ação mais escorreita:
talvez estejas a cuidar ursinhos pandas...
Mas é tua ausência que assim me dói,
enquanto sei estás presente para outrem
por mais que seja em ato indiferente...
pois é a incerteza que o coração me rói,
em vão querendo imagens que me encontrem,
de teor impuro ou apenas inocente...
ELÊUSIS X
Por entre nuvens, quando o sol espia
e o rosto num dourado te ilumina,
se mansamente a brisa assim se inclina
e te desperta o rubor na face fria,
eu te contemplo, de órbita vazia,
despida de minha vida, que calcina
essa minhalma, na ausência peregrina
de quem mais do que tudo quereria...
Mas eu fico a cismar... E se tivesse
a tua presença a meu lado cada dia,
seria o amor ainda tão intenso?
Ou quiçá outra sina assim me desse,
tão diferente dessa que ansiaria,
imaginando a meu lado quem eu penso?
ELÊUSIS XI
E passa um mês, veloz como um corisco,
há tão somente a sombra de um ensejo,
bem de relance e sem querer te vejo
e assim te perco, quando acaso eu pisco...
Mas meu amor persiste como visco
e quando cerro as pálpebras, revejo
os preciosos momentos em que o pejo
me impediu de atender ao chamarisco...
Porém se vejo de uma estrela o risco,
silvando pelo céu, inesperado,
o único que peço é tua presença
e assim, por te querer no meu aprisco,
eu deixo de pedir metal dourado,
pelo prazer de usufruir tua indiferença...
ELÊUSIS XII
Se eu escrevesse um poema de sucesso,
pouco sucesso, afinal, despertaria
a história de um amor que se perdia,
sem ter jamais vivido o seu começo...
deste modo, se não posso ter acesso,
acesso apenas a melancólica folia,
a chama acesa pela nostalgia,
um simples facho para o teu regresso.
Porque assim, despertarei a simpatia
de quem já teve amor, porém perdeu,
perdido o amor, mas não melancolia,
que essa saudade que então sentiria
já foi sentida por quem me precedeu,
e já cantou de amor outra elegia...