Paixão

Supõe que de uma praia, rocha ou monte,

Com essa vista embaciada e turva

Que dá aos olhos entranhável dor,

Tinhas podido ver transpor a curva

Pouco a pouco do líquido horizonte

A barca saudosa que levasse

Aquele a quem primeiro uniste a face

E o teu primeiro amor!

Depois, que toda mágoa e saudade,

Da mesma rocha ou alcantil deserto,

Olhando avidamente para o mar...

Vias na solitária imensidade

Vagas ficções de um pensamento incerto

Surgir das ondas, desfazer-se em espuma,

Não alvejando nunca vela alguma...

E sempre a suspirar!

Até que à luz de uma intuição sublime

De alma arrancavas o gemido extremo

De saudade, desespero e dor!...

Pois é assim que eu sofro, assim que eu gemo,

Que nuvem negra o coração me oprime,

Nuvem de mágoa, nuvem de ciúme,

Em te não vendo à hora do costume...

Meu anjo e meu amor!

João de Deus, in 'Campo de Flores'

Zorro Poeta
Enviado por Zorro Poeta em 25/03/2012
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