Dizem que a noite tem mil olhos…
Quando na realidade só tem dois
Embora sejam para ti mil
Pois são mil aqueles que queres que te observem
Para que te possam tocar
Porque só queres um par
Mas a esse par
Não tens a arte
Ou perdeste a arte
De a eles chegar…
E por isso divagas no meio da multidão
De forma aleatória
Mas demasiado consciente
Na esperança
Que entre tantos olhares
Um te procure
Para explorar a tua solidão…
Olhos desconhecidos
Certamente
Porque a tua fome por quem estimas
É de tal ordem
Desordenada
Esfaimada
Que te faz
Cair no mundo
E não te importares
Que mesmo quem não conheças
Te partilhe
Desde que esteja contigo…
No mergulho do libido
Mais mental do que físico
No libido
Que te façam uma terra apreciada
Desejada
E não uma terra deixada em pousio
Tanto tempo
Que passou a ser uma terra anónima
Uma terra desconhecida
Uma terra fora do mapa humano
Do objecto concreto do desejo
E por isso
Em vez de o direccionar
Deixa-se à solta
Pelo desconhecido
Soltos beijos
Desejos nunca confirmados
De um local
Bem preciso
Onde se quer estar
Para sempre
Ou simplesmente
Até desse se cansar
Porque o amor
Na sua precisão indefinida
É o mais belo
E ao mesmo tempo
O mais divinamente absurdo
Que se pode ter na vida
O amor
Que nos faz lutarmos de uma forma demente por ele
E na demência nos deixarmos arrastar
Quando o perdemos
E o tentamos
No desconhecido
Voltar a encontrar
Porque a noite
De facto
Tem apenas um olhar
Que por estar perto
Bem ao alcance da mão
Em simultâneo está demasiado longe
Numa dicotomia
Que possui algo de dramático
Algo que só nos apercebemos
Quando ao acordarmos
E depois de termos de tal apreciado
De tal de uma forma que jamais iremos admitir
Reconhecermos
Que não sabemos
Nem nunca saberemos
De quem são
Aqueles redentores braços
Aquele corpo
Que nos tiraram do abismo
Que foram a nossa salvação
Braços e corpos
Que se irão perder
Na noite seguinte
No meio da multidão…