SONHOS DE UMA PRIMAVERA
I
E tudo recomeça outra vez,
O inverso dos sonhos de uma donzela,
Que em certa primavera floresceu,
Mas desapareceu nas primeiras gotas de inverno.
E novamente surge o sol,
Iluminando seus olhos a cada passo,
Enxugando cada lágrima
Que dantes a outro amar derramara.
E por mais que seja amor,
Destes a frustrante desilusão
Dos toques não correspondidos,
Dos olhos que não se cruzaram,
E a cada minuto mais distante,
Longe de suas mãos.
Ó desprezo torturante!
Donde tu vens que só causa dor?
Não queres ir ao mar?
Voar junto ao vento,
Pra bem longe de mim?
Dai-me esta chance de viver.
Quero saciar-me do doce mel
E entre profundos abraços
Derramar-me de amor.
Viver! Só quero viver.
O que mais posso pedir-te
Se não um pouco de esperança?
Amar, mais que o amar
Sentir os desejos nos braços meus.
II
Posso dizer que é um sonho,
Mas isso não posso afirmar,
Se entre constantes abalos
Já nem sei o que é real.
O que conheço é a dor da distância,
A linha de seus lábios
E o contorno de seu rosto
Preenchendo-me a cada pensamento.
E o exacerbado coração meu
Em constantes reminiscências
Aquecido a sua presença.
Seu calor me faz viver!
Acho que conheci um anjo,
Que não habita o céu,
Não está longe da culpa,
E não é revestido de santidade.
Distancia-se do ser virginal,
Iguala-se apenas em sua perfeição.
Quão majestosa perfeição!
Lascivo sorriso
E penetrante olhar,
Que corrompe meus pensamentos,
E enche-me de desejos.
Sonho meu, anjo meu
Mostra-me quão doce são seus lábios,
Entre as linhas do seu corpo
Faz-me flutuar à distância dos corpos celestes.
III
Encontro-te na distância
Separados pelo destino
Corrompidos pelo imã inverso,
Do universo sem exatidão.
E tudo é silêncio.
Permeiam apenas os ruídos
Da chuva que se findou.
Do vento que não quer calar.
Acho que ele fala de ti.
Instiga-me sentimentos seus
Que ao inverso do meu coração
Vê apenas a amizade.
Então indago sob este lamento,
Que outrora me foste fiel
Entretanto anda a causar-me tal sofrimento.
Donde veio este aturdido sentimento?
Assombra-me em formas subjetivas
E me afasta da felicidade,
Donde tu vens de verdade?
Invertas o jogo por mim.
De gotas, fazeis mananciais
E subterfúgio do meu amor.
Para que nele eu possa ao meu amado juntar-me
Cingidos por tua proteção.
IV
Do vento fazem-se encontros
Mas deste meu encanto
Encontro apenas sorrisos
Que exalam sua perfeição.
Era noite, sim
Na natureza escura te reencontrei
E nada mais fez sentido
Tudo ao redor escureceu-se
Apenas tu iluminavas minha visão
Tornastes um sol.
A visão do paraíso
Daquele que foi arrebatado
E guias o anjo
Ao caminho celestial.
V
O que ocorre em meu ser
Se em descrenças me recaio
Do ser apaixonado
Que já não podes encontrar?
A existência se desconhece,
Que no antigo deixou de existir
E hoje brota apenas esperanças
Do amante ou ser virginal.
E nessa evolução
Social o pecado tornou-se.
As manchas entorpeceram como o vinho
O coração dos amantes.
Sim, tudo está torpe.
Já não se vê o que procurar,
Corrompestes a esperança
De um dia dar-se em felicidade.
Apostas tua vida no espelho
Mas em um par de tropeços quebra-se
Ávido e cristalino desejo
Somes em meio aos pedaços.
Atinges e fere tudo ao redor.
E por fim hábito tornou-se,
E já não há o que reclamar.
Então, sentes uma página rasgada.
Desperdiças-te o tempo de viver
Contrito aos borrões que criara.
Entretanto, formaram-se letras, palavras
Que soarão ao teu ouvido
À eternidade que não se finda.
Resta apenas a esperança de viver.
E em volto destas palavras
Formas-te um redemoinho,
Coberto pelo sonho
De uma donzela apaixonada.
Pende não a um indivíduo
Mas do ser que se faz em volta.
Aceitas entregar teu coração?
Ligar-te eternamente a um ser?
Não olhes o mundo a sua volta,
Não quero ouvir de vossa boca à renúncia.
Não deixes o medo corromper-te também,
Fale-me que seja um sussurro,
E então a ti me entregarei.
VI
Havia música no lugar
Mas não foi apenas um.
Avistei-lhe ao meu encontro
Entre delicados passos e cantos celestiais.
Revoltastes o meu ser
Na esperança do nada.
Então o nada se fez.
Este foi o golpe mortal.
Desprezaste o meu amor
Incógnito da sua existência.
Questiono-me a esta sentença:
Diferença, onde tereis?
Apeguei-me a fumaça
Do sonho que dantes vivi.
Então nele me reencontrei
No encanto a dor irreal.
Firmastes angústia em meu ser
De devaneios à existência
Que na pele posso sentir
O qual sejas tua rejeição.
VII
Sinto já não o medo
Este sequer pudera existir.
Impelia-nos sim, uma barreira
Do qual o nome se desconhece.
E desta a pouco se fiz conhecer.
O motivo da minha tormenta,
Que roubas meu sonho,
O sonho de cada dia te amar.
E o antigo se faz presente.
Foste causa de grande dor,
E ainda como um fantasma
Insistes em me assombrar.
Não quero persistir nesta aflição
Reproduzir o lamento infinito.
Reencosto-me novamente ao canto
A espera que chegue a minha vez.
Mas no canto se faz a lembrança
Do ressoar de sua doce voz
Entre as melodias de vossos instrumentos
Inspira-me teu ser musical.
Como posso afastar-me de ti
Se em tudo que vejo você está?
Seja na mais leve brisa que corre
No sol ou nas ondas do mar.
Tua branca pele iguala-se ao leite
Teus cabelos as linhas do mar.
Tua boca ao fruto mais saboroso
Que minha boca sonha tocar.
Seja no sonho ou na realidade
Se posso ou não condiz a mim,
Te conhecer me trouxe a dor
E junto a ela a felicidade.
VIII
Se um amor conhecer faz-se um queixume
Para que existirão?
A despeito dos resquícios que me restam
Contradito a este efeito
Que outrora me foste deleito
Refúgio na lamentação.
Pensar-te à distância
Angustia-me todo o ser.
As mãos que afagam o teu alento
De outra não sou eu.
Que falta para ti? não tenho
Que faço a ti inventar?
Não posso, não sou mais que eu
Mesmo faça a ti conquistar.
Formastes a luz no caminho
Tornastes o sol da manhã
Construístes a linha do destino
Enlaço-o sem permissão.
Saber já não há mais sentido
Envolto de mim já está.
Nem tu sabes que construístes
Nem percebestes o dano que causou.
Perder-te não quero.
Anseio o sonho continuar,
Mesmo que meus sonhos não lhe alcance
Mesmo que idealize seu ser.
Mesmo que estejamos separados
À distância de outro sonho,
O irreal tornou-se meu alento,
À espera de tua chegada.
IX
Olho de um lado e outro e não te vejo,
Hoje é mais um por do sol sem você.
Então levanto, abro a janela
E fico a observar o horizonte
Na esperança que nestes traços
Encontre os seus.
Vejo seu rosto no crepúsculo
exaltando a beleza da tarde
Que se finda me deixando só
Mais uma vez sem você.
Mergulho novamente no ninho que se fez
Onde todos os dias acalento suas lembranças
E repouso no meu travesseiro
Os sonhos de ter-te em meus braços.
A distância inimiga
Novamente se faz.
Reencosto-me no canto
Novamente sem você.
A dor da saudade não se finda
Enquanto as sombras da vida
E o vento trabalha para te esquecer.
Seu rosto agora é o fio de uma lembrança,
Sonhos de uma primavera
Que não pude viver.
X
Mas dentre os ramos e entre os pássaros que se voam
Muitas coisas há de se concordar
É certo o sentido não se faz, já deixou de existir
Os pássaros junto ao vento voaram
Buscando novos campos a viver.
E assim, o eu consiste gentilmente a se firmar:
Sou não mais diferente que todos
Em ocasião dos fatos já não caminho por opção.
A natureza revela sistemas
Que em rodízios preenchem o ser interior
E o tamanho já não será o original.
Mas por fim, vale apena viver!
Motivo outros entre um vai e vem de idéias
Que constrói um significado atrás do outro.
O que se apaga reconstrói-se com força imensurável.
Ah! Pequena esperança de se viver!
Se não fostes pela crença que te faz
Cobriríamo-nos com areias do deserto
E em pouco tempo sucumbiríamos ao triste desprazer.
Quero dizer, ao que já se foi que irá voltar
Mas já não será um tormento
E sim, motivo de renovação.
Se houve um querer, não conseguistes.
A dor é senão o fim,
Em um sistema que em constante se renova:
Já não volto ao meu tamanho original!