GIRÂNDOLA / RASCUNHOS RASGADOS & MAIS
GIRÂNDOLA [pinwheel] (2006)
Nem sei bem se espero ou desespero;
As vezes que tentei, tu me recuaste;
Quando não mais esperava, declaraste
A intensidade do amor mais puro e vero...
Mas eu temo, tu sabes: se eu insisto,
Podes recuar de novo, oscilação
Que já assisti às pampas... emoção
Mais controlada que quantas tinha visto.
E agora, eis que me peso e me interrogo:
Será que me quer mesmo? Ontem, queria,
Mas e hoje? No ímpeto do vento a chuva fria
Lavou seu sentimento e já não quer?
Só sei que penso em seus olhos e me afogo
Na hesitação, enfim, dessa mulher...
GIRÂNDOLA II (8/11/11)
Não sei bem se alcanço ou desalcanço,
se me retiro ou meu amor insiro,
se quando insiro, mais amor me tiro,
se em meu descanso mais amor alcanço.
A esta altura da vida, o desdescanso
interfere demais em meu retiro;
por meu cansaço, já me desinsiro
e desvencilho de um igual balanço.
E me balanço para meu remanso,
excluído dos versos que inseri,
remansamente, em canto meigo e manso,
na mansidão com que na mente te inscrevi
versos de vento, sem ter pena de ganso,
que tive pena até do que escrevi...
GIRÂNDOLA III
Uma girândola, por sua própria natureza,
é pertinaz, bem mais que um catavento.
Este gira ao redor, seguindo o vento,
aquela gira sempre, com certeza,
na imutabilidade da incerteza,
pois não se sabe qual o impedimento
para contê-la, tão só por um momento,
não se interrompe a girandólica beleza...
Ela gira a seu redor, esse é seu dote
e esse a torna sempre desejável,
defeitos não se veem na giração,
passam depressa demais, no seu escote,
desejo a provocar interminável
por qualquer ponto de sua geração.
GIRÂNDOLA IV
Gira a girândola e gira o desespero,
porque a girândola não para de girar
e a breve calma que lhe podia dar
é repelida pelas pás desse vespeiro.
E assim me lanço, velho pegureiro,
sem medo de outra queda a me levar
para bem longe, no vento a despencar,
por esse amor tão vero que ainda espero...
Nessa girândola de ventilador,
que meu esforço recompensa com frescor
e então demonstra plena frialdade,
num redemoinho de igual velocidade,
às tentativas de seu trovador,
que junto gira, com igual tenacidade.
RASCUNHOS RASGADOS I (2008)
Talvez um dia ainda encontrem meus rascunhos
(se bem que os rasgo após passar a limpo...)
e se espantem ao ver como meus punhos,
em estranhos materiais façam garimpo...
Qual em rolos de papel higiênico esvaziados
(para propósitos escusos já serviram...)
nos quais registro meus versos assanhados,
numa função semelhante à que cumpriram.
Esse papel deslocava os excrementos
e era lançado aos esgotos da cidade,
para perder-se só Deus sabe aonde...
Mas o rolinho me desloca sentimentos,
que lança ao gosto dessa humanidade
de cujos vermes um rosto belo esconde...
RASCUNHOS RASGADOS II (9/11/11)
A verdade é que existem quantidades
destes pobres rascunhos amontoados...
Alguns duodecanetos completados,
a vez aguardam para a minhas amizades
serem distribuídos... Mil verdades
e mil mentiras trazem de seus lados...
Cartões e papeizinhos amassados,
desprezados pela feira das vaidades...
E muitos outros que não são de série alguma,
mas como nesta, no momento em que seguro
o cartãozinho que pretendia digitar,
ideias surgem prontas, uma a uma,
qual se soubessem desse instante puro,
por intuição e se apressassem a saltar...
RASCUNHOS RASGADOS III
No ritmo que sigo com frequência,
poemas novos se impõem à minha vontade
e me exigem, com prepotencialidade,
que tenham sobre outros precedência.
E vão ficando para trás, nessa pendência
esses pedaços de mim, já com idade...
Mede-se o tempo pela tenacidade
com que o rascunho espera por vidência.
Estão presos com tirinhas de borracha
e volta e meia, por oxigenação,
rebenta a tira e arriscam-se à mistura,
se caem ao chão... E quando a mão enfaixa,
anos promíscuos se juntam de roldão
e então só os dato por conjectura...
RASCUNHOS RASGADOS IV
E de igual modo, interfere o meu trabalho.
(Não busco mesmo a sua publicação...)
e no afã de uma nova tradução,
a digitar os pobrezinhos mais eu falho...
Mas há milhares que na Internet estão.
Não sei aonde vão, onde os espalho.
Serão levados do esquecimento ao talho,
ou testados pelo tempo, subsistirão?
E que dizer dos outros, mais antigos,
que em tempos idos datilografei
ou que perdi, no incêndio de minha casa?
E esse duro dever em mim se embasa
de retirá-los, um dia, dos abrigos
de minha leviandade, onde os deixei...
SOULMATES
Eu acredito, eu sei, que lá no outrora,
Antes sequer que nossos pais nascessem,
Eu te encontrei, tu me encontraste, embora
Nossos destinos a nós não pertencessem.
Não foi escolha nossa que cortassem
Os deuses uma alma feita em duas:
Que de tal modo então nos castigassem
Que as almas reviver tivessem nuas,
Sangrando de incompletas, se buscando,
Sempre se unindo, sempre separando,
Pela ânsia tão só de pertencer...
Duas almas companheiras se tocando
De leve só, depois se abandonando,
Porque seus corpos tinham de morrer...
CE[n]SURA
Nem toda a estrofe que passa por poesia
É bem assim -- são pura porcaria
A maior parte desses versos tontos
Que se ouve a bocejar, sem nostalgia.
Nem todo o verso que passa por harmônico
É bem assim -- seu esplendor agônico
É raso em dimensão, mudos repontos
Qual estrondar de jatos supersônicos...
Que os tímpanos nos ferem de escarcéu,
Mas só desgostam ao partir do céu,
Num esbater-se, enfim, de tapeação.
E nem um rastro deixam: só fumaça,
Que se dissipa em sonhos de pirraça
E nada nos desenha ao coração.
TATEANDO
Não penses que é o desejo que me atrai:
Ele virá depois, ao menos acredito;
Neste momento agora, eu só me incito
A te tomar nos braços, como vai
Uma criança aos braços de seu pai,
Para te consolar, ao som bendito
Desse teu respirar, sem mais conflito
Do outro sentimento que me trai.
Todavia, a falta é grande e tão sozinho
Eu me sinto nesta hora de emoção
Que nem sei se nem nisto vou insistir...
Quem sabe se meu gozo é mais mesquinho?
Pois nesta noite de longa solidão,
É de teu lado que queria dormir...