ESTRELAS IMPIEDOSAS / MALIBU / SONHOS MORREM

ESTRELAS IMPIEDOSAS I (11/11/11)

Já muita vez ouvi que sonhos morrem,

porquanto se acomodam os criadores.

Em seus confortos permitem estertores

dos velhos sonhos que das mãos escorrem.

Por dinheiro ou posição permitem torrem

os seus ideais de antanho, seus valores,

sob o tacão de status vencedores,

enquanto estes os seus bolsos forrem.

Mas muitos sonhos esvoaçar eu vi,

sem pai nem mãe, buscando outros amores,

e suas angústias, só de as ver, senti.

Sonhos não morrem: perecem seus autores.

Os sonhos ficam, adejando por aí,

sempre à procura de outros sonhadores...

ESTRELAS IMPIEDOSAS II

Sonhos são fortes, robustos, resistentes,

não se deixam apagar como uma luz.

São mais que cravos pregados numa cruz,

são ideias, afinal, e bem potentes...

E enfrentam os destinos, descontentes,

até que cada um a alguém seduz

e lhe desperta o ideal, que assim reluz,

tal qual gerado no sono, em permanentes

inquietações espirituais e sua noção

se difunde novamente, enquanto são

hospedados pelo novo sonhador...

E assim se espalham pensamentos de roldão,

surgindo aqui e ali, nesse valor

que fecunda, finalmente, um coração.

ESTRELAS IMPIEDOSAS III

Sei que as estrelas do destino não têm pena:

querem manter a humanidade sob o jugo.

Mas ergo o olhar e novos sonhos sugo,

que então reúno no buquê de minha verbena.

E nos meus versos o velho ideal te acena,

jovem ainda, enquanto eu mesmo enrugo.

As minhas mãos a tal sonhar alugo:

não sou o doador, somente a rena

que conduz, obediente, esse trenó,

veículo dos sonhos desdenhados,

a distribuir por tantas chaminés...

E mesmo que no afã me encontre só,

antigos sonhos são de novo examinados,

despertando em teus pulmões as mesmas fés.

ESTRELAS IMPIEDOSAS IV

E é só por isso que na Teia os distribuo,

por mais que não me esforce em publicar.

Sonhos alheios vivo a transportar,

não são as minhas quimeras que eu estuo.

Que meus ideais nunca cheguei a abandonar:

vivem dentro de mim, mesmo em amuo.

Com eles canto o sarcasmo de meu duo,

mesmo que vivos, não os pude realizar!...

Mas o que importa, enquanto vivos sejam?

Maugrado estrelas, com meu fervor adejam

essas cópias do inconsciente milenar...

E quando encontram aqueles que as desejam,

saberão, de qualquer forma, rebrotar,

na gasta luz do luar que os dedos beijam...

MALIBU I (2009)

O sol de inverno entrou de férias em outubro

e só retorna daqui a uns quantos meses...

De um outro sol estes dias são fregueses,

sol de verão, colérico, de humor rubro...

Um sol que queima e desalinha os ares,

que me amarfanha e me enzamboa o rosto,

de mal-estar me enche e de desgosto

e se encanzina a provocar-me mais pesares...

E eu vejo a gente quase enlouquecida,

desnuda pelas praias, sem que o ozônio

lhes filtre a radiação, câncer secreto;

e me assalta esta saudade enlanguescida

do sol de inverno, adversário do demônio,

que me consola com seu calor discreto...

MALIBU II (10/11/11)

Meu problema não é o sol, mas o calor,

especialmente nas décadas atuais,

que sem o ozônio, se torna por demais

queimante e destrutivo em seu furor.

Fico escondido por motivos naturais,

preso em minha casa, perdido meu valor,

das pás escravo de meu ventilador...

Quando caminho, suo córregos fatais...

E contudo, ao sol de inverno ainda eu amo,

quando entre as nuvens, brejeiro, ele me espia:

posso até com conforto caminhar...

E mesmo sua presença ainda reclamo,

nas noites longas em que a lua me vigia

e ânsias de amor em mim vem despertar...

MALIBU III

São dessas coisas que reclama o ser humano...

Quando o Sol não desejo, ele vem forte;

quando o desejo, seu brilho sofre um corte

e embora eu não emita o brado insano

de afirmar que está errado o inteiro plano,

sinto vagos impulsos desse porte:

queria governá-lo ao meu desporte,

que corrigisse o que parece engano...

Mas para mim não é razão de queixa,

por que as coisas seriam quais eu quero?

Aceito o que me vem como é possível,

enquanto a luz dos olhos não me deixa

e pela noite longa ainda espero,

em que sentir calor será impossível...

MALIBU IV

E a cada vez que acendo minha lareira

e o fogo esparge em mim crepitação,

sei muito bem de onde as chamas são,

que é do Sol que provém toda a madeira...

E quando vou fazer a refeição,

esta comida em meu prato, por inteira,

surgiu do Sol, quando, por vez primeira,

tiveram relva e espiga a brotação...

E o próprio líquido que me dessedenta

apenas gelo seria, sem o Sol

e mesmo o sangue que gira nas minhas veias

e a carne com que a vida ao mundo enfrenta

cresceram sob o impulso do arrebol,

na tessitura luminosa de suas teias...

sonhos morrem I (12/11/11)

pela bênção natural, eu te amaria,

enquanto minha fosses. seguiria

ainda além da morte, se soubesse

que tua sombra por mim esperaria.

pela bênção natural, eu buscaria

a dimensão perfeita da elegia

e o idílio manteria, se quisesse

até sentir que o sol não mais vivia.

mas a bênção natural não me sorriu:

a vida é feita de tantos desatinos:

tecido de capricho o coração.

e assim, essa paixão se desvaiu

em poeira de sossego e mudos sinos,

por não ser concretizada a exultação.

sonhos morrem II

mas pela maldição, te negaria,

enquanto te negasses para mim,

na praga de carvão e caulim

que a própria alma me enegreceria.

e pela maldição, eu sofreria,

pela minha bênção não te dar assim:

seria dar ao amor completo fim,

pela tristeza que me acometeria.

porque, nesse pesar, o meu candor

desbotaria em cinza sem beleza,

na escala gris do arco-íris incolor.

e em mágoa, te daria o meu rancor

e a cada vez que te visse, uma tristeza,

disfarçaria... com um botão de flor.

sonhos morrem III

e pela indiferença, te diria:

"nada me deves por tudo o que te dei."

fiz porque quis; e a mim mesmo condenei

a não mais que espectador de tua folia...

foste somente amarfanhada fantasia

que, bem no fundo, nunca amaldiçoei.

nada me deste e nem ao menos procurei

criar dentro de ti o quanto eu cria.

apenas te mostrei o tal candor,

na alma alcandorada de pureza,

que a ausência tua maculou mais de uma vez.

e nessa indiferença, em seu primor,

ainda demonstro gentil delicadeza,

nessa esperança morna de um talvez...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 04/01/2012
Código do texto: T3421213
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