Jane Avril sortant du Moulin Rouge
A paisagem só foi inventada,
nesse instante perdido no plano sólido,
para contar que o corpo existe
quase mais tecido e cabeça pendente.
E meu chão são estrelas de poliuretano,
refletindo impossíveis neons flutuantes,
onde também flutuam os que passam de costas,
ou apenas o resto da visão atrasada
da cauda de um vestido salmon.
É tudo uma piada, tudo uma mancha
pois não importa a ausência da linha reta,
nem a curva mal planejada.
Importa apenas o rosto que pende,
com seu chapéus de penas atrevidas,
e o tecido negro que guarda
as mãos vacilantes e
apenas um pé que passa.
Vou arremessar meus olhos contra seu rosto,
o desenho da bailarina de luzes alugadas,
quando não estando mais entre vultos,
sendo só sua face iluminada,
estará saindo do teatro da alfaiataria da noite,
olhando, inexistente, a calçada,
com o verde do esquecimento
e as curvas ocultas da luz fabricada.
Serão seus olhos apenas duas pinceladas.
E serão o que se perde uma vez na vida,
e uma vez na invenção da palavra.