O arqueiro da noite

Valsa estilhaçada numa oração recolhida

pelo mar antes que o navios chegassem.

E coube tudo na frase esquerda da tarde,

antes que os navios partissem.

Vão velozmente em direção ao céu,

enquanto a fé me pertence e me prende,

num ponto mais deserto que praia.

Esse ballet não é natural e por isso

fiz pra ele um horizonte artificial.

Feito de desenhos de partituras retalhadas,

feito de estruturas atômicas inventadas,

feito de fúria da razão iluminada.

Dos meus outros olhos postos acima,

vejo o carnaval da vida muito breve,

agitada como as nuvens feitas de papel,

agitadas num globo de vidro sobre a mesa.

Lá onde estão os pequenos comediantes,

tristes por sua natureza esquecida,

toda palavra limitada pelas paredes de sílica,

são tão fortes que fazem com que os ventos,

os desesperados imitadores da vida,

cessem seu efeito sobre tudo que inventei.

Já não são mais os céus e sim o fim da arquitetura.

Onde não foi mais possível construir um limite para os dedos,

nem uma morte que pusesse fim á canção feita da febre.

E eis que é tudo apenas um dos camafeus da bailarina,

que mentiu para o mundo a naturalidade da arte de flutuar.

E enquanto fratura seus ossos desesperadamente,

vejo o pequeno globo com o meu mundo feito de luz,

de água, de papel e mulheres que rezam na beira da praia,

ser devorado pela fumaça das horas queimadas.

É a luz que se enfraquece e a cortina que desce,

ocultado a bailarina do mundo para que mais acima,

o arqueiro da noite lance uma lua estranha no céu.

E estamos todos presos.

Porque os olhos percebem o mal aprisionado num pedaço de vidro,

preso ao pescoço de um ganso humano dançante

com olhar morrente e tecido aderente,

percebe a esfera lançada no céu antes flamejante,

mas não alcança onde vão dar essas notas todas,

construídas com cimento, chumbo e filigranas de prata,

que se elevam acima daquele que voa em seu navio

numa Holanda que existe em meus livros antigos

e no choro da quase santa que me viu partir.

Infinito é quando morremos um pouco,

durante uns segundos do dia,

e estamos apenas num lugar entre o som

o corpo dançante e meus sapatos de chumbo.