VERNISSAGE / SANDRISTINA

VERNISSAGE I (1982)

agora eu sei, à lume de ironia,

o que sem eu saber me ocorreria

e me deixava o coração pesado

pela ansiedade mesma que eu sentia...

não sei o que esperava e, realmente,

enfrentei realidade surpreendente,

sem ter espanto, sempre controlado,

talvez porque meu corpo já pressente,

antes que a mente saiba o que suceda,

quais os eventos que a vida me conceda,

apenas sem saber quando virão.

mas que hão de vir, por certo estou seguro:

teu beijo hei de gozar, perene e puro,

no próprio palpitar do coração...

VERNISSAGE II (4 OUT 11)

agora eu sei, gozado o beijo à porta,

na proteção fugaz da rua escura,

como tua língua é gota toda pura,

que se enrosca na minha sem comporta.

agora eu sei, que sob a lua torta,

teus lábios são veneno de doçura,

serpentes mudas de cálida ternura,

que toda a indecisão no peito corta.

agora eu sei que são lesmas macias,

entreverados com meus lábios duros,

embora tenham ferrões como colmeias,

porque teus beijos, com que me revestias

a boca inteiramente, até seus muros,

meu corpo inteiro enlaçaram como peias.

VERNISSAGE III

agora eu sei, ao final da exposição,

como serão os beijos que virão

e quão intenso me será esse clarão,

noutro momento em que os lábios se chocarem.

nesse instante em que os dentes se tocarem

e que as salivas se entremisturarem,

em que as gengivas todas se explorarem,

nessa lenta e cuidadosa exaltação.

agora eu sei que não foi beijo casual,

nem beijo de momento inexperiente,

mas um martírio quase enlanguescente,

esse beijo de caráter tão sensual,

que se comparte aos poucos, lentamente,

e enfim nos prende de forma tão plangente.

VERNISSAGE IV

agora eu sei que as gotas de saliva

me transmitem teu líquido suspiro,

que doravante terei outro respiro,

contaminado por tua graça ativa.

agora eu sei que as papilas dessa diva,

provadas hoje em demorado giro,

enquanto os poros longamente miro,

tem o cheiro cristalino da gengiva.

são beijos mais profundos do que o sexo

que essa mulher me dá, nesse momento,

bem mais que outras dando o corpo inteiro.

é um beijo mais completo que um amplexo,

na sua lentidão de esquecimento,

amplo e final como o dia derradeiro.

VERNISSAGE V

agora eu sei, degustadas as narinas,

com sua ponta gentil e delicada,

que sua respiração é controlada

pelo melífluo engaste de minhas sinas.

respiro as faces de rugas pequeninas,

essa expressão que sua vida tem deixada

é vida inteira e nela a morte é nada,

doces regatos nessas marcas finas.

e bebo a luz que corre de seus olhos,

na imensidão do ardor que me controla,

no mesmo enleio dos antigos feromônios,

que se projetam bem mais que dos refolhos,

facas macias da pele que consola

e me retalha os ouvidos em harmônios.

VERNISSAGE VI

agora eu sei que beijo é mais que boca,

que envolve o rosto inteiro em nostalgia,

que os olhos fecham, nessa noite fria,

como dois animaizinhos em sua toca.

porém contemplam, na lágrima que invoca

cada glissando de nossa sinfonia;

por entre os cílios mais se pressentia

dessa corrente completa de ânsia louca.

correm os quadros e as fieis gravuras

pelas retinas há pouco estimuladas

e cada fase do beijo é exposição

nessa amplidão de mil delícias puras,

na doce espera dos lábios encantados

por novos beijos que se sabe que virão.

SANDRISTINA I (2 OUT 11)

Quando a tive entre meus braços, foi estrela,

estátua nua de brilho multicor,

doce cristal, pristino em seu louvor,

tão bela estrela quanto estrela é bela.

Quando a tive entre meus braços, foi procela,

numa explosão de mútuo resplendor;

mal compreendia me quisesse dar amor

essa gravura de uma antiga estela...

Mas ainda guardo a lembrança pequeninha

dessa tarde, quase preternatural,

em que mesclei aos meus seus jovens traços

e ainda me espanta que tenha sido minha

essa mulher de carne e de cristal,

como um sonho aninhado entre meus braços.

SANDRISTINA II

Foi doce fruta como o sumo de um pomar,

foi flor esguia em guirlanda exuberante,

seu pólen me embriagou naquele instante,

tal qual então me alçasse a patamar

mais alto que o ocupado em meu vagar

e assim deitei-me sobre a estátua expectante

e depois a fecundei, em triunfante

deiscência de antera, em deslumbrar.

Hoje ainda tento recordar-lhe o nome,

vou peneirando a memória, devagar,

classificando a meada do impossível.

Lembro somente da repentina fome,

que me saciou, para mais despertar,

na vastidão fugas do irrepetível...

SANDRISTINA III

Pensando bem, marcou-me tanto assim

pela própria e inesperada circunstância.

Nunca fizera amor em tal instância,

mas sob um teto me resguardava, enfim.

E nesse dia, de pôr-do-sol carmim,

gravado por tal beijo de inconstância,

nesse momento, desprezada a vigilância,

macia sua carne dourada de jasmim,

eu me sentia senhor da eternidade,

pensando o mundo ter sob meus pés,

no meu possuir dessa mulher de outrora,

que nunca mais encontrei na realidade,

voltada apenas para as próprias fés,

que de fato me possuiu... e foi embora.

SANDRISTINA IV

Foi tal momento de tão máxima importância

que até hoje me assombra, mansamente,

e me parece que, às vezes, só na mente

teve existência, qual pura manigância...

Mas eu sei foi verdadeira a clara ânsia

da carne contra a carne, intensamente:

foi para mim instante tão pungente

que ainda o comparo a cada nova instância.

Mas para ela, o que representou

foi somente um encontro de passagem,

um capricho de mulher e nada mais.

Seu ventre me acolheu e conquistou

na véspera hesitante da viagem

e então se foi e perdeu-se no jamais...

SANDRISTINA V

Provavelmente, nem sequer recorda

e se ainda vive, decerto se esqueceu,

dentre os muitos que depois já conheceu,

igual seu nome que a memória não acorda.

Só neste ponto cada um concorda:

foi apenas um momento que ocorreu;

já não tem nome o corpo que foi meu,

nunca tem nome o ventre que se aborda.

Quando me amou, quem me possuiu foi ela,

fui somente um asteróide ao pé da estrela

e nem sequer uma miragem desprezível,

não mais que forma de preencher-lhe o tédio,

qual rapaz novo, sofri eu o seu assédio,

de que conservo a lembrança inexaurível.

SANDRISTINA VI

E contudo, um tal momento de paixão

com essa fêmea de beijos de mormaço

foi para mim perpetuamente abraço:

bem mais que sexo, tomou-me o coração.

Fechando os olhos, refaço-lhe a visão

e bem claro lhe recordo cada traço.

Serão ainda azuis olhos de espaço

em que eu agonizei nessa ocasião...?

Que fim terá levado?... Em que talvez

cruzei com ela de novo pela rua,

num lampejo de olhares recruzados?

Quiçá lembrasse num relance dessa vez

em que me amara, totalmente nua,

e tais momentos preferisse renegados...

VERNISSAGE I (1982)

agora eu sei, à lume de ironia,

o que sem eu saber me ocorreria

e me deixava o coração pesado

pela ansiedade mesma que eu sentia...

não sei o que esperava e, realmente,

enfrentei realidade surpreendente,

sem ter espanto, sempre controlado,

talvez porque meu corpo já pressente,

antes que a mente saiba o que suceda,

quais os eventos que a vida me conceda,

apenas sem saber quando virão.

mas que hão de vir, por certo estou seguro:

teu beijo hei de gozar, perene e puro,

no próprio palpitar do coração...

VERNISSAGE II (4 OUT 11)

agora eu sei, gozado o beijo à porta,

na proteção fugaz da rua escura,

como tua língua é gota toda pura,

que se enrosca na minha sem comporta.

agora eu sei, que sob a lua torta,

teus lábios são veneno de doçura,

serpentes mudas de cálida ternura,

que toda a indecisão no peito corta.

agora eu sei que são lesmas macias,

entreverados com meus lábios duros,

embora tenham ferrões como colmeias,

porque teus beijos, com que me revestias

a boca inteiramente, até seus muros,

meu corpo inteiro enlaçaram como peias.

VERNISSAGE III

agora eu sei, ao final da exposição,

como serão os beijos que virão

e quão intenso me será esse clarão,

noutro momento em que os lábios se chocarem.

nesse instante em que os dentes se tocarem

e que as salivas se entremisturarem,

em que as gengivas todas se explorarem,

nessa lenta e cuidadosa exaltação.

agora eu sei que não foi beijo casual,

nem beijo de momento inexperiente,

mas um martírio quase enlanguescente,

esse beijo de caráter tão sensual,

que se comparte aos poucos, lentamente,

e enfim nos prende de forma tão plangente.

VERNISSAGE IV

agora eu sei que as gotas de saliva

me transmitem teu líquido suspiro,

que doravante terei outro respiro,

contaminado por tua graça ativa.

agora eu sei que as papilas dessa diva,

provadas hoje em demorado giro,

enquanto os poros longamente miro,

tem o cheiro cristalino da gengiva.

são beijos mais profundos do que o sexo

que essa mulher me dá, nesse momento,

bem mais que outras dando o corpo inteiro.

é um beijo mais completo que um amplexo,

na sua lentidão de esquecimento,

amplo e final como o dia derradeiro.

VERNISSAGE V

agora eu sei, degustadas as narinas,

com sua ponta gentil e delicada,

que sua respiração é controlada

pelo melífluo engaste de minhas sinas.

respiro as faces de rugas pequeninas,

essa expressão que sua vida tem deixada

é vida inteira e nela a morte é nada,

doces regatos nessas marcas finas.

e bebo a luz que corre de seus olhos,

na imensidão do ardor que me controla,

no mesmo enleio dos antigos feromônios,

que se projetam bem mais que dos refolhos,

facas macias da pele que consola

e me retalha os ouvidos em harmônios.

VERNISSAGE VI

agora eu sei que beijo é mais que boca,

que envolve o rosto inteiro em nostalgia,

que os olhos fecham, nessa noite fria,

como dois animaizinhos em sua toca.

porém contemplam, na lágrima que invoca

cada glissando de nossa sinfonia;

por entre os cílios mais se pressentia

dessa corrente completa de ânsia louca.

correm os quadros e as fieis gravuras

pelas retinas há pouco estimuladas

e cada fase do beijo é exposição

nessa amplidão de mil delícias puras,

na doce espera dos lábios encantados

por novos beijos que se sabe que virão.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 08/12/2011
Código do texto: T3378123
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.