NOVAS GOTAS DE CHUVA / AVOENGOS

GOTAS DE CHUVA I (JAN 2009)

São sentimentos humanos tão antigos!

Nada há de novo que tenha a te dizer...

A solidão é o que mais sinto, ao conhecer

que são apenas os costumes inimigos

que nos separam assim desses abrigos

em que me poderias pertencer

e eu a ti, num instante de prazer,

ao nos mesclarmos sem quaisquer perigos!

E é justamente por te saber tão perto,

enquanto longe estás, que aumenta a dor,

ainda que saiba poder confiar em ti.

Mas é a presença que vejo no deserto

que o torna mais vazio, em seu ardor,

pois nem sequer tua sombra consegui...

GOTAS DE CHUVA II (01 SET 11)

São sentimentos comuns e corriqueiros

como navalha raspando o coração,

a me cortar as artérias da ilusão

e as veias me barbeando, bem certeiros!

Ventos apenas que empuxam os veleiros,

a navegar por nuvens de algodão,

os sentimentos bem vulgares são,

em conceitos quotidianos e brejeiros...

Porque brincaram alegres no meu peito

tais sentimentos de sabor mais puro

com desalentos de teor mais duro,

apenas a troçar do meu despeito,

agora que sua ausência eu amarguro,

por mais vulgar que fosse o seu trejeito!

GOTAS DE CHUVA III

O que foi que senti, que não sentiste?

O que foi que,por tua vez, não descreveste?

Quais as quimeras que não acolheste,

quais as miragens que também não viste?

Ah, sentimentos de cada peito triste!...

Que igual que eu, também tu escreveste,

que igual que eu, falar também soubeste,

furando o coração qual lança em riste!...

Nada de novo existe sob o Sol,

nem se concebe de novo sobre a Terra

e nem tampouco amortalha a luz da Lua...

Que amor rebrilha qual facho de farol

e quando o Sol desponta, já se encerra,

deixando em seu lugar saudade nua.

GOTAS DE CHUVA IV

E assim, não te direi nada de novo

ao descrever os variados sentimentos

que da paixão acompanham os momentos,

em que as graças do amor outra vez louvo...

E podes ter certeza... Que o renovo

das mesmas ilusões e encantamentos

outra vez sentirás, doces tormentos,

ou agora sentes, se teu olhar comovo...

Resta saber é se o alvo dos suspiros,

esse rosto que espelha os teus afetos,

suspirará por ti na mesma hora...

Ou se Cupido, como sempre, erra seus tiros

e de travesso, torna mais diletos

os que já amam outras neste agora!...

GOTAS DE CHUVA V

E novamente, à metáfora reverto

que tanta vez foi descrita no passado:

de como o coração é comparado

à aridez estéril do deserto...

E como, se num instante, o céu aberto

deixa cair a chuva, descuidado,

no deserto e não no eito preparado,

o solo árido é para o amor desperto...

Gotas de chuva ou lágrimas em gotas,

umas insípidas, outras de amargura,

brilham no solo e a areia reverdece...

Mas chega outro desprezo, com suas botas,

e esmaga essas folhinhas, que as descura,

muito mais breves que as letras de uma prece!

GOTAS DE CHUVA VI

E assim, eu não serei original,

ao comparar amor à meiga chuva,

ao recordar a metáfora da luva,

cada um dos dedos como símbolo sexual;

e assim como a saliva é mais sensual

do que o sumo adocicado de uma uva,

do mesmo modo que uma língua fulva

é mais melíflua que o orvalho natural,

gotejarei somente em teu ouvido

essas palavras que já ouviste no passado

ou essas tantas que escutar querias:

serei gota de chuva, em teu olvido,

a pingar, num carinho compassado,

os mesmos sonhos com que um dia te iludias...

AVOENGOS I - 7 set 11

Vou colocar num pacote minhas tristezas,

minhas dores, amarguras e cansaços,

os mil dias em que fiquei sem teus abraços

e convertê-los num presente de incertezas.

Apor-lhes-ei dois carimbos de pobrezas

e etiquetas em grandes cartapaços:

SEDEX 10, que anula esses espaços,

como o veloz fracasso das proezas...

Endereçado direto a Satanás,

Pecados Mortais nº 13, Desolação,

Inferno, sem ter CEP (que não precisa assim).

E deixarei o pacote bem atrás

do balcão dos correios, e o Remetente não

colocarei, que não volte para mim!...

AVOENGOS II

Dizem os maias que os antepassados,

que se alimentam de nossas emoções,

de sacrifícios exigem multidões

e que somente consideram ser pecados

se pararmos de oferecer-lhes, descuidados,

nossas tristezas, dores e paixões;

desprovidos que são de compaixões,

são sofrimentos que os deixam mais saciados.

Por isso insistem que soframos dores

e nos atentam com falsos amores

e nos ajudam a viver com mais alento,

não que nos amem, mas de nós precisam,

para que nossas próprias dores os revivam

e lhe sirvamos diariamente de alimento.

AVOENGOS III

Os gregos e romanos também tinham

um culto firme a seus antepassados,

porque os temiam e, com gestos compassados,

a seus altares diariamente vinham,

mais por medo e reverência que continham.

Não que fossem mil demônios angustiados,

os que da vida quedavam-se afastados,

porém de seus descendentes se avizinham.

Não esperavam dor nem penitência,

apenas honra e lembrança permanente,

sendo essa a base de sua religião;

embora acreditassem, com frequência,

que retornavam ao seio de sua gente

pelos prodígios da reencarnação.

AVOENGOS IV

Por isso, era comum entre os romanos

dar aos netos os nomes dos avós,

ou aos bisnetos os de seus bisavós,

quando avós ainda viviam entre os humanos.

Assim criam ser mais fácil que os profanos

espíritos não encarnassem entre nós,

mas somente seus parentes e o atroz

destino se escapassem dos insanos

sofrimentos do Orco e Hades impuro,

ao renascerem no seio de sua gente,

sem pensarem em demônios ou castigos.

Por isso em mandarei caixote duro,

com todos os meus males de descrente,

para o depósito dos infernais abrigos.

AVOENGOS V

Porque acredito guardar meus diabinhos,

minha malícia e inveja, minha maldade,

em minhas masmorras, sem ter liberdade,

senão para escrever versos mesquinhos...

Mas quando mais destilam pecadinhos,

eu os vou guardando, com tenacidade,

em cenotáfios de total opacidade,

para os depois empacotar juntinhos...

Então os ponho no correio dessacrado,

com endereço certo e demarcado:

que não sejam abertos por ninguém.

Porque é claro que então se soltarão

e pelas narinas lhes penetrarão,

para instalar-se no corpo desse alguém...

AVOENGOS VI

Mas se forem direto a Satanás,

sendo abertos somente em seu inferno,

talvez o meu penar não seja eterno,

pela alegria que minha dor lhe traz.

Tirarão meus sofrimentos com tenaz

e churrasco farão do teor mais terno,

para aquecer-lhes os chifres nesse inverno:

comendo a dor, me deixarão em paz!

E seguirei pela vida, em bom-humor,

sem me deixar vencer pelo terror,

buscando o riso, a música e o prazer...

Ao ver em todos os meus males ironia

e achar graça quanto mais sofria,

pela calma indiferença do viver...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 04/12/2011
Código do texto: T3371234
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