NIMROD / ANELO / ÁGUAS DO TEMPO

NIMROD I (2009)

Nada de bom vejo hoje nestas linhas...

Queria ser candeia e sou pavio

de vela seca, inócua em seu estio

de mortas florações folhas mesquinhas.

Queria no meu barco ter rainhas,

que conduzisse à foz de longo rio,

queria aos garanhões mostrar mais cio,

a espada aguda penetrando em mil bainhas.

Mas as frases perdi, perdi meu zelo,

resta o morrão tão só no castiçal,

queria a lança ter, só tive a rosa...

Quis beber os azuis do mundo belo,

porém parti-me, em jaça de cristal,

morto na vela, igual que a mariposa.

NIMROD II (15 OUT 11)

Como se lê nas Santas Escrituras,

havia um rei no passado, poderoso,

cujas preces não respondia o majestoso

panteão supremo de tais imagens duras.

Então, no seu rancor por tais agruras,

subiu ao alto do torreão mais alteroso

e lançou setas de seu arco donairoso,

para alvejar os deuses nas alturas.

Mas nunca conseguiu nada alcançar.

Riram-se os deuses da força de seu braço,

por mais alto que as flechas atingissem.

E nem sequer o pensaram castigar,

só demonstrando da indiferença o traço,

sem ver motivo para que se ressentissem.

NIMROD III

Como Nimrod eu sou, em minha vaidade,

acreditando com minha pena iluminar

essas mentes que até busco conquistar

para a leitura do que tenho por verdade.

Sempre foi fraca a luminosidade

de meu clarão, frouxas setas a lançar,

que sobre a indiferença vi cravar

dos que dominam em minha sociedade.

Nem sei se Deus ou deuses se interessam

pelo vazio de todo o esforço humano,

mas não desanimei de projetar

flechas de cera que na aljava cresçam,

não por impulso de orgulho soberano,

mas dominado por minha ânsia de cantar.

NIMROD IV

E se Nimrod subiu ao zigurate,

eu já me canso com bem menor escada...

Ainda reluz o gume de minha espada

e minha tenacidade não se abate.

Não guardo os sonhos dentro de açafate

e nem me lanço em idêntica empreitada.

Mesmo que os deuses não respondam nada,

são de cristal os meus cantos de vate.

Sei muito bem que a torre mais altiva

não se aproxima sequer do Paraíso

e jamais afetarei a divindade...

Mas meus morrões têm chama rediviva

e nos momento de mais excelso riso,

lanço minhas setas contra a humanidade!

ANELO I (2005?)

Eu já não esperava, sabes? Percebia

nas tuas retiradas e retornos,

uma implosão de luz, de sonhos mornos,

que nunca, enfim, minhalma aqueceria...

Por isso me sentia deprimido,

eu me esforçara tanto, era constante,

e me sentia tão fraco e delirante,

por todo o meu querer ser devolvido...

E agora pronuncias, como um bem

que te pertence, meu nome, meu carinho;

mal ouso imaginar que, de mansinho,

amor tenha brotado em ti também...

não mais amor de amigo, nem de irmão:

mas, como homem, de possuir-te o coração...

ANELO II (21 OUT 11)

Mas sem mais esperando, persistia;

e quase sem querer, eu desejava;

e apenas murmurando, eu te dizia,

ao pé do ouvido, o sonho que ocultava.

E sem maior esforço, pronunciava;

e sem querer desistir, eu prosseguia;

por não interromper, eu continuava;

e mesmo sem ter fé, ainda eu cria.

E nesse duvidar, eu aceitava

que, mesmo avulso, meu ser te pertencesse

e ainda em meu descrer, imaginava

que sem regar, meu nome em ti crescesse,

sem ser dono de ti, que amor brotava

e que a esperança sobre mim descesse...

ANELO III

E nesse persistir, ainda esperava;

e nesse meu desejo, ainda queria;

e nesse não dizer, te murmurava;

e nessa ocultação, nada escondia...

E nesse pronunciar, nem me esforçava;

e nesse prosseguir, não desistia;

e nessa fé que te comunicava;

meu continuar eu nunca interrompia.

E nesse aceitar meu, mal duvidava;

e nesse pertencer, ainda era teu;

e nesse imaginar, ainda descria

que nesse meu crescer, eu te regava

e que verde esperança ainda descia

de que teu sonho fosse igual ao meu.

ANELO IV

E assim eu persisti, maugrado tudo;

e assim eu desejei, sem nem querer;

e assim eu murmurei, sem te dizer,

ao pé do ouvido, o sonho em que me iludo.

E assim eu me esforcei, em canto mudo;

e assim eu prossegui, sem me conter;

e assim eu continuei, sem interromper,

na fé vazia que me servia de escudo...

E assim eu aceitei, sem duvidar,

que pertencia, mesmo sendo avulso,

que meu descrer fosse só imaginação.

E assim eu persisti, em meu regar,

nessa ilusão de tomar-te pelo pulso

e achar a senda até teu coração.

ÁGUAS DO TEMPO I (2009)

Cada parede desta minha cidade

contém o sangue de seu povo antigo,

alma e alegria, dor dos sem abrigo,

suor e mácula da antiga humanidade.

Por entre as fendas da calçada, há-de

encontrar-se os temores do perigo,

hão de achar-se os rancores do inimigo,

a indiferença, o egoísmo e a caridade.

Os mortos não se vão destas paredes,

suas marcas são deixadas por suspiros,

os corpos vão-se, mas ficam impressões,

encolhidas no frio. E ao calor, medes

emanações que brotam dos retiros,

amortalhadas em argamassa de ilusões...

ÁGUAS DO TEMPO II (24 OUT 11)

E quando chove, as lamas apertadas

por entre as gretas, procuram novo abrigo

por sob as tijoletas; mal consigo

entrever suas feições aprisionadas.

Mas não se entranham nas areias apisoadas

sob o cimento, que o solo não é amigo.

Ali existem as tropas do inimigo,

outros suspiros de anteriores nadas.

Há sombras murchas de flores na calçada,

almas-penadas de cascos e de rodas,

almas perdidas de ossos de animais;

e quando qualquer mágoa é empurrada

pela força da chuva, reúnem-se todas

para um festim atroz de canibais.

ÁGUAS DO TEMPO III

Assim, tais almas se agarram firmemente

às asperezas guardando as impressões

dos passos leves das novas gerações,

dos passos trôpegos da mais antiga gente.

Ou se engancham nas paredes, com ingente

terror dessas terríveis refeições,

presa de espíritos desprovidos de ilusões,

que se apinham sob a argila indiferente.

Os cascarões que moram nas paredes,

sob camadas de tinta protetora,

têm melhor sorte... enquanto a casa dura!

Mas nesses instantes de reforma, vêdes

que essa caliça, quebradiça e moura,

é arrastada para igual agrura!...

ÁGUAS DO TEMPO IV

São os suspiros lançados num monturo,

as agonias a preencher aterro...

Sempre é fatal para as mágoas o desterro,

não há destino mais leve e outro mais duro.

E no aterro sanitário mais obscuro,

sob o reboco em que a tristeza enterro,

ardem em caligem e quase escuto o berro

dilacerado da sombra em sonho impuro...

E é mais por isso que pedras são históricas

e as velhas casas se devem preservar.

Quem as destrói, talvez sofra vingança

e em pesadelos contemple essas histéricas

silhuetas de sombra, em retorcido desgastar

a suplicar últimas gotas de esperança!...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 03/12/2011
Código do texto: T3369326
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