FAÇA GUERRA, NÃO FAÇA AMOR / TEIA DE PEDRA / LAÇARIA

FAÇA GUERRA, NÃO FAÇA AMOR (30 SET 11)

Antigamente, se escutava o apelo:

"Faça amor, não faça guerra", com frequência.

Era dos hippies a original tendência

e eu considerava tal slogan belo.

E o pratiquei com todo o meu desvelo,

a guerra eu evitei, com aborrência.

Mas foi passando o tempo e, em consequência,

os hippies envelheceram, é triste vê-lo.

Muitos deles tornaram-se drogados

e se envolveram em pequenas guerras:

a maioria já não pratica o amor.

Mas eu conservo os seus ideais airados,

enquanto sonho, perdido em longes terras,

amando as ilusões em puro ardor.

FAÇA GUERRA, NÃO FAÇA AMOR II

Sempre se viram as páginas da história

e tais ideais são hoje nostalgia.

Não houve a paz mundial em que se cria,

embora a guerra já espelhe menor glória.

Porque, afinal, os ditames dessa escória

que o mundo ainda governa, em mente fria,

não se deixam desviar da economia,

(mas hoje a honra guerreira é mais espúria).

Porém pequenas guerras permanecem

e dão vazão a toda a indústria bélica

(certamente terão longa permanência),

enquanto as teias do lucro se entretecem,

e enquanto ainda existir boca famélica,

baseando em ambição a sua existência.

FAÇA GUERRA, NÃO FAÇA AMOR III

E quando eu vejo transformado em monumento

o velho tanque que já rodou garboso,

talvez saído de alguns combates vitorioso

(que certamente não se expôs demais...)

meu coração se aperta num momento,

ao ver que das paradas triunfais

fica somente um casco e pouco mais:

como transcorre depressa o que é glorioso!

E tal símbolo: "Faça guerra e não amor"

fica perdido no verde do gramado,

quais artefatos guardados em museu.

Por ter caráter de pacificador,

ante todo um continente revoltado,

de cujas guerras há muito se esqueceu.

FAÇA GUERRA, NÃO FAÇA AMOR IV

E no meu peito, olhando o tanque antigo,

bélico lema: "Faça guerra e não amor,"

a saudade se retorce, em estertor,

do meu tempo de criança mais amigo,

quando brincava com soldados e consigo

ainda lembrar de meus brinquedos seu odor:

eram de chumbo e plástico... e o senhor

de toda guerra era eu... e o inimigo...

Meus milhares de guerreiros de papel,

a combater, em garbosos regimentos,

contra mim mesmo e contra minha tesoura...

Do mesmo modo que o tanque sem quartel,

exposto à fúria de todos os elementos,

que só combate a chuva que o desdoura...

TEIA DE PEDRA I (3 OUT 11)

Há certas coisas que a mulher, avidamente,

procura conservar em seu passado.

Atos de amor em momento descuidado,

quando era jovem e ao tempo indiferente.

Hoje prefere só passar pela tangente

e fingir que nada houve de seu lado,

que foi somente um partilhar descompassado,

essas coisas do ardor que prende a gente...

Mas de fato, esse instante que resguarda

é a memória do corpo que conquista,

deformado hoje em dia pela idade.

E por nada deste mundo quer ser vista

e comparada com a mulher que guarda

no espelho dalma para a eternidade.

TEIA DE PEDRA II

Quer ser lembrada na hora antiga e bela,

quando se achava rainha, com certeza,

nessa memória dourada da beleza,

quando fulgia igual que meiga estrela.

Não quer que a vejam, porém que pensem nela

como ela fora então, em sua inteireza,

não nesta forma revestida de incerteza,

após sofrer os desgastes da procela.

Prefere até fingir não conhecer;

quando forçada a conhecer, negar

que coisa alguma permaneça na sua mente.

Só uma centelha bem no fundo desse olhar

então a trai, na esperança de assim ter

somente um resto de fulgor ainda presente.

TEIA DE PEDRA III

Porque, no fundo, é uma traição do espelho:

os seus olhos a recordam tal qual era.

Por entre os cílios, a vista é mais sincera

e se percebe, dentro ao corpo velho,

como era no esplendor da juventude.

Prefere então viver na meia-luz,

na busca triste do instante que seduz,

nessa certeza em que não mais se ilude.

E assim, ao encontrar antigo amante,

desvia o olhar e só espia de soslaio,

querendo ser e não ser reconhecida

e até gozando um momento triunfante,

ao avaliar até que ponto está cambaio

esse que a vida já leva de vencida...

TEIA DE PEDRA IV

E os dois se olham, então, nesse momento,

nesse leve peneirar da avaliação.

Ele deseja uma nova relação,

sente pulsar no membro um novo alento,

sua ereção é quase um cumprimento:

bem que ela vale uma ejaculação,

em seguimento da antiga saudação,

nada mais que um roçagar, sem juramento.

E ela quer ou querer até queria,

ser avaliada novamente qual mulher,

ser desejada e sentir-se sedutora...

E então recorda o que o espelho refletia

e se envergonha de se mostrar sequer

como aquela leve sombra do que fora...

LAÇARIA (1982)

Não quero mais ser eu, quero ser nós:

Que seja um corpo só, que seja apenas

Uma alma a habitar entre açucenas

De amor compartilhado; e viva empós

A lealdade recíproca a si mesmo:

Uma alma completa, finalmente,

Gêmea com gêmeo, tornada permanente

A semeadura do sonho solto a esmo...

É isso que desejo, união de corpo e alma,

Que me enfervesça a alma e ao corpo me dê calma,

Ao ver que és tu que exalas o ar que então respiro.

Que seja assim, então: um tal amor egrégio,

Que possa garantir-me sem fim o privilégio

De viver para sempre em teu suspiro.

LAÇARIA II (3 OUT 11)

Quero assim enroscar-me nesses nós,

na doçura intransponível dos liames,

na temática infinita dos reclames,

quero ser poeira a faiscar-te empós.

Quero me unir contigo quando a sós,

em solidão é quando mais te irmanas,

ultrapassadas todas as aduanas,

na tessitura esbelta dos cipós.

Quero ser vime desse mesmo cesto,

em que te enlaças a mim na tessitura,

quero ser fibra em ti enovelada,

na curva firme e idêntica do gesto

em que me enlaço na maior ternura

dessa tua língua duramente conquistada.

LAÇARIA III

Pois fibra quero ser do mesmo laço,

fibra de agave e fibra de sisal,

entrelaçado em ti, sem bem ou mal

que nos possa destranhar do mesmo espaço.

Quero ser tinta desse mesmo traço

que o ferro em brasa marca no animal,

queimado na tua carne natural,

queimada tu em mim no mesmo abraço.

E ser lançado no mesmo e são impulso,

para prender-me nas girândolas do ar,

como as volutas coleantes de um anel,

em cada rosca captado um dia avulso,

em que seremos um só dia no sonhar

do metálico esplendor desse ouropel.

LAÇARIA IV

Que seja amor assim, uma armadilha,

boleadeira a que me atire voluntário,

cânhamo firme em baraço perdulário,

mas somente pelo amor que me perfilha.

Que seja amor a praia de uma ilha,

nesse areal de prazer mais solitário,

somente tu e eu, sem mais contrário,

amor vertido de inesgotável bilha.

Que seja amor um laço de suspiro,

um novelo de ilusão e nostalgia,

teu hálito no meu em permanência,

nessas volutas de incansável giro,

em que a rede nos envolva, dia a dia,

por todo o transcorrer de uma existência.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 02/12/2011
Código do texto: T3369204
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