PLUMAS / VOCÊ QUE AINDA NÃO ME AMA / GOTEIRA
PLUMAS I -- 5 SET 11
No meu beiral habitam muitas aves:
há pombos e pardais e caturritas...
Eventualmente, de outra ave as fitas
ondulam a indicar do céus as chaves.
Plumas e penas me caem ante os pés
e quando estendo a mão e tomo a pluma,
ela se agita e são mares de espuma
que se abrem a meus olhos, novas fés
que me mostram as sendas azuladas
em que posso pisar, asas ao vento
e nas legiões de nuvens nadarei.
Nas estrelas novas bênçãos empilhadas,
espelhos de um veraz contentamento,
em que a teus braços finalmente voarei.
PLUMAS II
Mas em que ave me transformarei?
Quiçá pudesse ave-do-paraíso,
faisão ou quetzal, no mesmo inciso:
são pássaros de pluma esses que amei.
Mesmo pavão como alvo já aceitei,
embora digam, sem ter muito siso,
que seus pés provocam grande riso,
tão diferentes da plumagem que roubei.
Mas não tenho tais aves no beiral
e nem sequer um galo multicor,
o mais que vejo é uma alma-de-gato.
E então eu me contento em ser pardal:
talvez seja meu voo unicolor,
mas sempre piarei com espalhafato...
PLUMAS III
E sendo eu pardal e tu pardoca,
talvez te atraia com pedras coloridas.
Com meus piados quem sabe até te excitas
a beijar-me no bico feito louca!...
Se não tivermos ninho ou qualquer toca,
há muitas telhas em meu beiral contidas...
E se ao veres pombas tu te irritas,
eu beijarei teu bico com minha boca...
E ajudarei a te fazer casinha,
trazendo plumas de gentil paineira
e mil galhinhos que descubra ao léu...
E deste ninho te farei rainha:
que seja toca pequena e corriqueira,
sendo a teu lado, para mim é o céu!...
VOCÊ QUE AINDA NÃO ME AMA I -- 8 SET 11
Na realidade, não passo de um cabide
em que pendura, cada um, o seu chapéu.
Há quem pendure amor vindo do céu;
há quem pendure a troça que me incide.
Há quem pense em meu cabide como vide
e aqui venha colher uvas no seu véu.
Há quem apenas me avalie ao léu
e quem deseje de mim mais uma lide.
A maioria só coloca o guarda-chuva,
quando entra no vestíbulo e algo quer:
chapéus ficaram já fora de moda...
Mas num dos ganchos há quem prenda a luva,
nos dias de inverno, em busca de qualquer
carinho meu, quando a vida lhe incomoda...
VOCÊ QUE AINDA NÃO ME AMA II
E bem queria que a luva fosse a tua
e que viesses me ver, toda carente
e que depois fosse a visita permanente:
que me abraçasses linda e toda nua.
Eu bem queria que a meiga luz da Lua
iluminasse teus traços, frente à frente
com os meus permeio à explosão fremente,
quando amor encontra amor e mais se estua...
Eu bem queria ser o dedo de tua luva,
essa pele delicada e carmesim,
em que cabe de uma vez somente um dedo,
mais empenada ainda sob a chuva
de meu jato de amor, em sonho, enfim,
de partilhar contigo tal segredo!...
VOCÊ QUE AINDA NÃO ME AMA III
E eu bem queria o teu cabide ser:
que te lançasses inteira nos meus braços,
eternamente pendurada em meus abraços;
força meu gancho saberia ter
para te sustentar, te proteger
contra quaisquer inveja ou descompassos.
Contra quaisquer vacilares de teus passos
eu saberia novamente te acolher...
E teria ainda espelho bisotado,
por entre os ganchos do porta-chapéu,
que tua beleza mais realçaria,
por meu amor inteiro marchetado
das mil estrelas que roubei do céu
que nos teus olhos inteiro reluzia!...
GOTEIRA I -- 9 SET 11
QUANDO ESTÁS PERTO
BEM MAIS DISTANTE,
NA MADRUGADA
DE MEU DESERTO,
VEJO AFASTADA
DE MEU DESCANTE
A TUA PRESENÇA,
NA ESTRANHA SINA
DO DESCONSOLO,
NA MALQUERENÇA
DO SONHO TOLO
QUE ME FASCINA.
QUANDO ESTÁS LONGE,
TUDO É MAIS FÁCIL:
MAIS SE CONSEGUE
BUREL DE MONGE,
AO VOTO ENTREGUE,
SEMPRE MAIS GRÁCIL.
MAS PERTO AGORA,
SEM TE TOCAR,
SEM SEQUER VER,
A MENTE EXPLORA,
SEU PADECER
DE LONGE ESTAR.
GOTEIRA II
QUANDO TE SONHO,
QUASE TE TOCO
E SINTO O CHEIRO,
FARO RISONHO,
NO TRAVESSEIRO
QUE ME COLOCO.
NUNCA DEITASTE
NESTA MINHA FRONHA
E NEM TAMPOUCO
TE RECLINASTE,
NO SONHO LOUCO,
VISÃO BISONHA.
MAS EU TE ABRAÇO,
IGUAL QUE FOSSES
A NUVEM BRANCA
NO MEU ESPAÇO,
JUNO QUE ESTANCA
QUIMERAS DOCES.
IGUAL QUE ZEUS
ZOMBOU DAQUELE
QUE UM DIA AMOU
NOS SONHOS SEUS
E QUE ABRAÇOU
NUVENS SEM PELE.
GOTEIRA III
SONHO IRREAL,
SOM INAUDÍVEL,
VISÃO CEGADA
EM LUZ CASUAL,
VOZ ESCUTADA,
COR INTANGÍVEL.
APENAS OLHO,
DENTRO DO PEITO,
DENTRO DA ALMA,
NO MEU REFOLHO,
PERDIDA A CALMA,
PERDIDO O JEITO.
SEI ESTÁS PERTO,
LONGE DEMAIS
DO CORAÇÃO,
VALOR INCERTO
NESSA EMOÇÃO
DO MEU JAMAIS.
E ASSIM TE AGUARDO,
SEM TE BUSCAR,
EM QUALQUER HORA,
VAZIO MEU FARDO,
PELA DEMORA
DE TE ENCONTRAR.