AMOR SUJO

Não sou honesto

comigo mesmo:

rejeito

esse amor

como o diabo a cruz.

Quero que desapareças,

ou permaneças calada,

no teu canto de miséria

e torpor.

Não és nada.

És só a puta do bairro,

a que dá para todos,

a vagabunda.

E eu sou um rapaz de família,

alguém criado

sob preceitos cristãos,

puro e íntegro.

Quando te vi na vez primeira,

senti um quê de asco,

pois cheiravas a cigarro

e te vestias vadiamente.

E eu te chamei de puta,

como todos te chamavam,

mas, naquele dia,

tu me olhaste

e disseste

alguma palavra mágica.

E, em teus olhos,

vi a dor do mundo

e eu nunca quis a dor do mundo.

Guardei em mim um espanto,

mas ficou um encanto.

No meio da madrugada,

eu acordava e te imaginava

presa a um castelo

e, debaixo do sarro e do pó,

brotavas como a rosa

e eras bela.

E uma coisa imensa

(amor, penso eu)

começou a se insinuar,

a gritar por espaço

em meu coração.

Mas tu és a puta do bairro

e a ti é dado o direito

de permanecer puta,

rodada,

vadia,

vagaba,

marafona absoluta.

E eu, o santo.

A mim só resta rezar

para Deus ter piedade de tua alma

e para me dar a calma,

a força de resistir.

Não posso querer orar

no altar

de teu corpo invadido.

Deodato
Enviado por Deodato em 02/01/2007
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