AMOR SUJO
Não sou honesto
comigo mesmo:
rejeito
esse amor
como o diabo a cruz.
Quero que desapareças,
ou permaneças calada,
no teu canto de miséria
e torpor.
Não és nada.
És só a puta do bairro,
a que dá para todos,
a vagabunda.
E eu sou um rapaz de família,
alguém criado
sob preceitos cristãos,
puro e íntegro.
Quando te vi na vez primeira,
senti um quê de asco,
pois cheiravas a cigarro
e te vestias vadiamente.
E eu te chamei de puta,
como todos te chamavam,
mas, naquele dia,
tu me olhaste
e disseste
alguma palavra mágica.
E, em teus olhos,
vi a dor do mundo
e eu nunca quis a dor do mundo.
Guardei em mim um espanto,
mas ficou um encanto.
No meio da madrugada,
eu acordava e te imaginava
presa a um castelo
e, debaixo do sarro e do pó,
brotavas como a rosa
e eras bela.
E uma coisa imensa
(amor, penso eu)
começou a se insinuar,
a gritar por espaço
em meu coração.
Mas tu és a puta do bairro
e a ti é dado o direito
de permanecer puta,
rodada,
vadia,
vagaba,
marafona absoluta.
E eu, o santo.
A mim só resta rezar
para Deus ter piedade de tua alma
e para me dar a calma,
a força de resistir.
Não posso querer orar
no altar
de teu corpo invadido.