Anjo És

Anjo és tu, que esse poder

Jamais o teve mulher,

Jamais o há-de ter em mim.

Anjo és, que me domina

Teu ser o meu ser sem fim;

Minha razão insolente

Ao teu capricho se inclina,

E minha alma forte, ardente,

Que nenhum jugo respeita,

Covardemente sujeita

Anda humilde a teu poder.

Anjo és tu, não és mulher.

Anjo és. Mas que anjo és tu?

Em tua fronte anuviada

Não vejo a c'roa nevada

Das alvas rosas do céu.

Em teu seio ardente e nu

Não vejo ondear o véu

Com que o sôfrego pudor

Vela os mistérios d'amor.

Teus olhos têm negra a cor,

Cor de noite sem estrela;

A chama é vivaz e é bela,

Mas luz não têm. - Que anjo és tu?

Em nome de quem vieste?

Paz ou guerra me trouxeste

De Jeová ou Belzebu?

Não respondes - e em teus braços

Com frenéticos abraços

Me tens apertado, estreito!...

Isto que me cai no peito

Que foi?... - Lágrima? - Escaldou-me...

Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,

Dou-me a ti, anjo maldito,

Que este ardor que me devora

É já fogo de precito,

Fogo eterno, que em má hora

Trouxeste de lá... De donde?

Em que mistérios se esconde

Teu fatal, estranho ser!

Anjo és tu ou és mulher?

Almeida Garrett

Zorro Poeta
Enviado por Zorro Poeta em 10/11/2011
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