BANDOLIM



— Glória! Preserva o teu piano
Para o festival do próximo ano.
Guarda a harpa; repele de mim
Teu melhor recital de flautim.


A lua cantora mandou
Vir à janela desejar-te: — Acorda!
Assiste nessa noite de calor
Nas arquibancadas de marfim
Ao solene show de amor
Cantar a música em acordes
De intrometido bandolim.


Plangente, cada nota entoa
A lira do homem encanecido,
Sublime quando sobrevoa
As nuvens, os sete sentidos.


Deixa aterrissar no teu peito
A nostalgia que a música traz:
Não me beijes, não me idolatres;
Já me fiz teu mistério aceito,
Melancólico num pouso audaz.
— Não me retires o vetusto lacre.


Mantém incólume o meu selo
Com afagos sutis dos dedos
A alisarem caracóis dos cabelos,
E não me desvendes algum segredo.


Reconhece o homem, quando ama
Cheio de pejo — a tez de carmesim —,
Os lábios da trova que derrama
Pétalas de açúcar, doces de alecrim.


Decifra a austera seresta no ar:
Imperativos murmúrios, vindo sonoros
Para possuir-te mulher cantora — assim
A tocar comigo o mesmo bandolim.


— Quisera atear-te, nessa noite de luar,
A primeira tocha de saudade de mim.




Poema integrante do livro "Outono Verde".

Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 01/11/2011
Código do texto: T3310174
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