QUERER


1

Quando te faltara uma ave para sonhar
O teu arroubo gracioso de condor,
Fui gracejo no teu desejo de voar
E voei cantando cintilante beija-flor.


Quando te privastes do sol para o teu calor,
Tingi de azul o céu com fachos de luz
E afugentei o inverno, e ainda te pus
No caminho um amanhecer de cada cor.


Quando quiseste um sonho na tua ilusão,
Afaguei teu corpo para adormecer-te,
Bordei o teu leito num chão de verde,
Zelei por tua noite na minha constelação.


Quando pediste um canto para a morte serena,
Para sossegares teu clamor de armistício,
Acordei-te para as coisas mais pequenas
E te reinventei a vida num beijo fictício.



2

Buscaste uma cor para andar unida
Em mescla de sorriso e de batom:
Habituei-me que me fosse bom
Emoldurar teu lábio por toda vida.


Deveste conduzir-me nos teus braços
E já me joguei menino aos teus pés;
Deixei-me arrastar pelos teus passos
Num enfeite dos dedos feito os anéis.


Insinuaste afagar-me na tua casa
E me seduziste com doce cantiga;
Adormeci num sonho cheio de asas,
Voei teus relevos, o colo, a barriga...



3

Quiseste abrir-me a porta da rua
E devolver-me para onde vim;
Aí, notaste quando já não era tua
A mulher presa dentro de mim.



Poema integrante do livro "Outono Verde"
Milton Moreira
Enviado por Milton Moreira em 01/11/2011
Código do texto: T3310116
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