Gêmeos
De feto a hoje, toco-te ainda, placenta.
Sugo clara ainda de minha gema.
Preso em véu diáfano aos cuidados do vento-céu.
O arrebol cura os olhos, a dor dos gêmeos.
Como gêmeos somos nós? Carne e alma distintas.
Olhos que nunca cruzam no arrebol das gaivotas.
No horizonte, o mar aos pés, o calor do quase-não-sol,
O cheiro da noite, a lua quase-vista,
Vejo-te a queimar em um fogo lucífugo,
Engano-me os olhos pelo desejo de alma.
É claro teu véu, clone malfazejo, e de luz teu caminho,
É ominoso o meu véu que ascende meu abissal.
Quanta treva abismal que habita na luz sem a apagar.
Gêmeos à treva, os siameses que não se tocam,
Mas seus sangues jorram voluptuosos de um só átrio e um só ventrículo.
Tranças nossas intestinais. Como não nos tocamos?
Somos da mesma pele costurada, mesmo enchimento,
Mesmo cálcio e fosfato, mesmo olho e cegueira.
Não caminho teu caminho por mesmo que sejamos o mesmo.
Tu tens tua mentira, e eu a omissão e a estigmatizada charada,
Juntos nós um enigma, somos em frases intocáveis.
Não me puxe, não te vá, nós estamos trançados e destrançados.
Porque mentes teu saber de minha ignominiosa faceta?
Em rabo tens plúmulas iridescentes e eu sou nu,
Um mero nu infame que esconde o pavão piloso.
Somos um em dois entrelaçados que não se tocam por não ser um.
Estamos de mãos dadas, mas em polos frios e longínquos.
Estamos em diferentes constelações, não somos do mesmo zodíaco.
Tu danças o universo junto comigo, mas com teu outro par e eu apenas danço contigo.
Somos perfeitos inimigos amigos em tanto tempo quanto vive o flamingo.
O entrelace de nossos órgãos, tão bonitos os rococós carnais,
Tão belo meu esôfago no teu estômago e o teu no meu.
Nossa flor de carne beirando a alvorada.
Nós nos findaremos quando nós nos tocarmos, pois o toque é morte em fogo.
Tocar-te-ei nunca eu, pois prefiro o platônico à morte que não te vê.