Gêmeos

De feto a hoje, toco-te ainda, placenta.

Sugo clara ainda de minha gema.

Preso em véu diáfano aos cuidados do vento-céu.

O arrebol cura os olhos, a dor dos gêmeos.

Como gêmeos somos nós? Carne e alma distintas.

Olhos que nunca cruzam no arrebol das gaivotas.

No horizonte, o mar aos pés, o calor do quase-não-sol,

O cheiro da noite, a lua quase-vista,

Vejo-te a queimar em um fogo lucífugo,

Engano-me os olhos pelo desejo de alma.

É claro teu véu, clone malfazejo, e de luz teu caminho,

É ominoso o meu véu que ascende meu abissal.

Quanta treva abismal que habita na luz sem a apagar.

Gêmeos à treva, os siameses que não se tocam,

Mas seus sangues jorram voluptuosos de um só átrio e um só ventrículo.

Tranças nossas intestinais. Como não nos tocamos?

Somos da mesma pele costurada, mesmo enchimento,

Mesmo cálcio e fosfato, mesmo olho e cegueira.

Não caminho teu caminho por mesmo que sejamos o mesmo.

Tu tens tua mentira, e eu a omissão e a estigmatizada charada,

Juntos nós um enigma, somos em frases intocáveis.

Não me puxe, não te vá, nós estamos trançados e destrançados.

Porque mentes teu saber de minha ignominiosa faceta?

Em rabo tens plúmulas iridescentes e eu sou nu,

Um mero nu infame que esconde o pavão piloso.

Somos um em dois entrelaçados que não se tocam por não ser um.

Estamos de mãos dadas, mas em polos frios e longínquos.

Estamos em diferentes constelações, não somos do mesmo zodíaco.

Tu danças o universo junto comigo, mas com teu outro par e eu apenas danço contigo.

Somos perfeitos inimigos amigos em tanto tempo quanto vive o flamingo.

O entrelace de nossos órgãos, tão bonitos os rococós carnais,

Tão belo meu esôfago no teu estômago e o teu no meu.

Nossa flor de carne beirando a alvorada.

Nós nos findaremos quando nós nos tocarmos, pois o toque é morte em fogo.

Tocar-te-ei nunca eu, pois prefiro o platônico à morte que não te vê.

Gabriel Troian Trevisan
Enviado por Gabriel Troian Trevisan em 22/09/2011
Reeditado em 22/09/2011
Código do texto: T3235114
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