NA CASA DO SILÊNCIO - Poema de 1991

Ainda que eu seja apenas

a esperança fugidia

entre as lembranças de fogo

e o frio do que

ainda sendo

já não está

senão

na saudade do corpo

nas lembranças dos lençóis

na presença

a caminhar pela casa

dos pensamentos

o eco de um aceno

surgido no meio da noite

entre a cidade quieta

e o coração cavalgando

os cavalos de sombra

pelas paisagens do antes

pelas ruas do presente

sem estradas visíveis

uma fotografia a meio decifrada

a meio enigmática

entre os dedos vazios

do calor de outro rosto

já perdido entre brumas

a palavra nos atalhos

da floresta do ser

entre os segredos pronunciados

para outros ouvidos

e os verbos de seguir

recolhidos à casa do silêncio

uma possibilidade

a florir no escuro e no claro

do desejo

no corpo imerso

em castidade difícil

e necessária

na multiplicidade de teu ser

no teu silêncio

no teu verbo

que nenhuma dor

tem nem terá

o poder de calar

ainda assim existo

e saboreio

dolorida

e docemente

a alegria

de existir assim

dentro de ti.

Do livro inédito CRAVO VERMELHO TERNO BRANCO, de 1991; republicação na início da tarde de 16 de setembro de 2011.