A FACE BELA DAS COISAS...
Abro-te o peito para que
arrebate de dentro de mim
a carta de amor que te escrevi;
mas por me faltar a audácia dos
jovens amantes jamais te enviei!
Sou assim mesmo:
é de mim que chove a calma,
daqui que choram os violinos,
minhas letras são anzóis e pescam
o que eu quero e preciso para viver!
Palavras escorrem de mim,
outros as apanham e degustam.
Alguns descobrem o sabor; outros
arrazoa-as sem sal, com gosto de nada.
São pescadores que pescam sem a isca!
Versos e palavras são folhas
caídas que vagam sem donos.
Frutas amadurecidas que sobram
da ceia das aves e tingem de carmim
o chão da trilha que marcha os apáticos!
Arranque a carta de amor
que jaz inerte dentro de mim.
Mas não a consuma toda, aprecie-a.
Se por mim nunca tivera afeição, quem
sabe surja antes que do papel as letras fujam!
Aproveite agora o dulçor
destas palavras de amor.
São elas de outros tempos, outras eras.
Hoje já não seriam tão perfeitas e cabais,
pois que a face bela das coisas não é eterna!