PENUMBRA VIII & MAIS

PENUMBRA VIII

Eu me sinto como carne de canhão,

que se comanda ao campo de batalha;

fragmentos de minas a mortalha,

obuses e granadas, refeição.

Sinto-me assim, porque minha mente espalha

neurônios a granel, em tradução

e ainda dá lugar à inspiração

para esparzir de sonetos maravalha!...

E o cérebro esfarela, disputado

por tantos gladiadores, nos dilemas

dessas tarefas que buscam primazia.

Vejo-me assim por eles desgastado,

alma em farrapos, pois sinto que os poemas

não são tão belos quanto os que eu queria.

COMPLETUDE I

quando uma coisa está feita, não há nada

que se possa acrescentar. está completa,

quer seja uma obra útil ou indiscreta,

é inapagável a ação já terminada.

quando algo está feito, a obra acabada,

como um dia encerrado, não se afeta

poder voltar atrás, por desafeta

tenha sido a visão assim deixada.

a vida é irremediável. só o futuro

pode ser planejado e alternativas

aventadas para muitos imprevistos...

porque esse véu, tomado por escuro,

será erguido por escolhas decisivas,

sobre os atos pelo espírito entrevistos.

COMPLETUDE II

eu vivo em reticência. toda elipse

percorre em pleonasmo mal contido

o meu discurso em versos incontido,

evitando na vida essa silepse.

ponho bloqueios sobre o delta da sinapse

antes de abrir a boca. fui ferido

vezes demais e agora, arrependido,

me refugio em meandro e catalepse.

porém, a mais fiel é a reticência,

em que apenas sugiro o quanto sinto,

dando a entender o meu pesar, somente.

assim eu vivo, novelo de paciência,

nessa metáfora em que tanto minto,

sem revelar desgosto permanente.

COMPLETUDE III

rígida flor, que vive nos teus olhos

e se implode, em fragmento iridescente,

empalando a ti mesma, indiferente

em destruir-te, entranhas e refolhos.

pálida flor, envolta em santos óleos,

na lágrima um fulgor opalescente,

no olhar seco se espelha, duramente,

a incerteza cintilante de mil fólios.

cálida flor, brotando para mim,

depois da deiscência, fria antera,

já semimurcha, em sempiterna entrega.

humilde flor, tomada incerta, assim,

temendo o bote de uma alheia fera,

enquanto o pólen sobre mim se esfrega.

COMPLETUDE IV

olha, eu sei bem que andas solitária,

como sozinho eu sou. acompanhados

de olhares soturnos, desalmados,

de quem nos deveria a multifária

bênção dos anos compartilhar e vária

gama de luzes e de gestos, recamados

da multidão dos rostos olvidados:

tanta memória apenas ordinária.

pois te proponho ajuntar a solidão

que existe em mim com a tua mais profunda.

dois zeros fazem zero, mas tristeza

se cura com tristeza e encantação,

numa soma severa e então jocunda,

que leva o vácuo a cintilar em sua leveza.

COMPLETUDE V

todo problema tido por difícil

a solução possui simples é fácil,

muitas vezes expressada num tom grácil,

para explodir depois, qual forte míssil.

mas tal explicação simples e físsil

e sem complicações, tão agradável,

infelizmente é errada, no incansável

novelo emaranhado em fio de anil...

a ponta do baraço, por desgosto,

revela mais um nó de confusões,

nessa intricada multidão do pensamento.

porém no amor, que é simples, vê-se o oposto,

pois se geram complicadas situações

pela pura impertinência de um momento...

COMPLETUDE VI (12-11-2007)

se o preço é alto, prefiro então que amor

me seja assim negado e que o trabalho

venha constante, que o peso desse malho

corresponda a minhas forças e fervor.

mas é estranho que assim seja. com palor,

vejo os últimos seis meses, quando falho

foi o dinheiro: chegou-me como um pálio,

a proteger-me do frio e do calor.

agora que de novo minha energia

é compensada por labor frequente,

vejo que some, qual fugaz portento,

todo esse amor que então me dirigia,

qual se me odiasse ao ver-me independente,

enquanto ela de mim sorvia o alento.

COMPLETUDE VII

essa mulher que espero na minha mente

existirá apenas? quiçá, algures

se encontre tal fantasma. ou nenhures,

perdida assim, no meio dessa gente

que passa e que me olha de soslaio,

avaliando talvez um companheiro,

calculando se podia ser parceiro,

numa armadilha em que jamais eu caio.

não são olhares, perfumes ou aquiescência

que assim me atraem. quero é o interior,

que não se vê, a mente e o coração.

por isso vejo, com condescendência,

meu próprio ideal ou fuga do exterior,

como um refúgio covarde na ilusão.

COMPLETUDE VIII

eu tenho a sensação, já familiar,

de ver correr meu sangue nas paredes,

fechando portas e formando redes,

que mais me envolvem quanto mais lutar!

eu busco meu destino marchetar

com jóias puras, cujo valor não medes,

contra a insistência potente de minhas sedes,

de que nada além existe, a suspeitar...

eu chego, neste mundo inconsequente,

a sentir as consequências do menor

de meus atos ocultos em segredos...

pensei em ti achar bem diferente,

mas como me enganei!... foi bem pior:

deixei em ti a carne de meus dedos!

SAUDADE COMPANHEIRA I

Busco, acima de tudo, a lealdade:

que pense em mim primeiro e tudo mais

me seja secundário; e que jamais

me trate diferente, por vaidade,

quando tenha plateia ou por maldade;

que seja sempre ela, qual cristais

translúcidos de assombro e sem fractais

perturbações de humor ou falsidade;

porque, em algum lugar do tempoespaço

existe uma mulher descomplicada,

que eu possa amar, sem medo de incertezas;

descansar a cabeça em seu regaço,

quando minha fronte estiver afebrentada

e diluir-me no frescor de tal abraço.

SAUDADE COMPANHEIRA II

Os corpos depositam em gavetas:

alguns vestidos como para festa,

enquanto outros apenas partem desta

para a melhor, sem ambições secretas.

Ficam os mortos deitados nesta gesta,

presas as bocas com esparadrapo,

as mãos atadas por fitas em fiapo.

Não querem que cometam desonesta

e feia ação de saírem do descanso,

para contarem ao mundo o que viveram,

os malfeitos que fizeram ou sofreram.

Mas os ossos permanecem no remanso:

dentes sem lábios, em seus vãos monólogos,

para delícia dos futuros arqueólogos...

SAUDADE COMPANHEIRA III

Verterei sangue em minha acrobacia

e tomarei os jatos congelados,

para trançar, em cabos reforçados,

a corda-bamba em que marcha minha poesia.

Mas com jatos de linfa retrançados,

eu tecerei a rede de agonia;

quando eu falhar, à morte, que me espia,

enganarei com meus ossos espalhados,

que servirão de apoio, a cada noite

em que a desafiar, trapézio firme,

sob a lona do circo de minha vida...

Quando a plateia sair, no meu afoite,

tentarei sair junto e ouvirei rir-me

a vastidão, sem que me dê acolhida...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 29/08/2011
Código do texto: T3188100
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