A última noite da terra…

Na fronteira, no local, onde a luz se evanesce e começa a escuridão

Nesse traço indistinto é onde ele estava

Um local temido, mas certamente ou esquecido ou desconhecido pela mesma multidão

Que ele contemplava com o seu ar de arqueólogo, como o tinham ensinado a contemplar

Abstraindo-se da espécie que observava, procurando ser um estranho para ela

Para dessa forma, os seus estranhos comportamentos da melhor forma poder interpretar

Começara a fazer tal, quando sentiu um dia que de facto tudo teria um fim

Procurando essa linha misteriosa tanto para se alienar, para não ter a percepção desse fim dos tempos

Como para contemplar a sua humanidade nos seus instantes finais

Porque apesar de o ser, não se sentia um igual, e assim ao observar, fazia parte de um todo, do qual não se atrevia a demasiado aproximar

O problema maior, maior do que a própria extinção final, era ter percepcionado tal

Mas não ter uma data, um momento exacto, ou uma aproximação

De quando se daria tal destruição

Por isso desde aquele dia há muito ido, todas as noites eram a última noite da terra

Todas as noites ele se encerrava nos seus infernos privados, de onde poderia ver os infernos colectivos

Fazia a catarse da espécie, em nome das almas quase extintas que queria serem salvas

Sendo que o absurdo absoluto, o maior dos paradoxos, é que apesar do seu acto de altruísmo que de forma lenta, mas inexorável o estava a levar para a loucura

Ninguém da sua espécie estava realmente consigo

E assim, no seu interior

Na sua terra de ninguém

Contemplava sem compreender a destruição prometida mas eternamente adiada

A raça que amava, mas que também não compreendia

E apesar de tantas noites, imensamente preenchidas

À beira do apocalipse, ele sentia a sua alma insustentavelmente vazia…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 25/08/2011
Código do texto: T3180586
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