A última noite da terra…
Na fronteira, no local, onde a luz se evanesce e começa a escuridão
Nesse traço indistinto é onde ele estava
Um local temido, mas certamente ou esquecido ou desconhecido pela mesma multidão
Que ele contemplava com o seu ar de arqueólogo, como o tinham ensinado a contemplar
Abstraindo-se da espécie que observava, procurando ser um estranho para ela
Para dessa forma, os seus estranhos comportamentos da melhor forma poder interpretar
Começara a fazer tal, quando sentiu um dia que de facto tudo teria um fim
Procurando essa linha misteriosa tanto para se alienar, para não ter a percepção desse fim dos tempos
Como para contemplar a sua humanidade nos seus instantes finais
Porque apesar de o ser, não se sentia um igual, e assim ao observar, fazia parte de um todo, do qual não se atrevia a demasiado aproximar
O problema maior, maior do que a própria extinção final, era ter percepcionado tal
Mas não ter uma data, um momento exacto, ou uma aproximação
De quando se daria tal destruição
Por isso desde aquele dia há muito ido, todas as noites eram a última noite da terra
Todas as noites ele se encerrava nos seus infernos privados, de onde poderia ver os infernos colectivos
Fazia a catarse da espécie, em nome das almas quase extintas que queria serem salvas
Sendo que o absurdo absoluto, o maior dos paradoxos, é que apesar do seu acto de altruísmo que de forma lenta, mas inexorável o estava a levar para a loucura
Ninguém da sua espécie estava realmente consigo
E assim, no seu interior
Na sua terra de ninguém
Contemplava sem compreender a destruição prometida mas eternamente adiada
A raça que amava, mas que também não compreendia
E apesar de tantas noites, imensamente preenchidas
À beira do apocalipse, ele sentia a sua alma insustentavelmente vazia…