Enquanto ela caminhava…

De forma irremediável em direcção à escuridão, eu não lhe podia dizer o contrário

Tinha simplesmente que a deixar ir, mais depressa do que nós, não lhe podia dizer “não”…

Limitei-me por isso a acompanhar o seu voo para o abismo

Sabendo que íamos no mesmo sentido

Nada restava, nada, mas ao passo que alguns de nós continuavam e continuariam a lutar

A maior parte deixou-se alienar, porque as coisas eram mesmo assim

E se enlouquecidos, não iriam ter um choque horrível quando chegasse mesmo o Fim…

Nada tínhamos, tudo se desfizera, e até mesmo o céu, o eterno céu, estava a um ponto do colapso final

Os felizardos abreviaram essa visão

Estavam já pois num estado

De não assumida, mas plena alienação…

Éramos pois meras sombras, a vaguear, naquilo que uma mente mais criativa chamaria certamente de “paisagem de pesadelo”

Tão assustadora

Que dela não conseguia ter medo

Optara de forma instintiva pela lucidez

E gostava de a ter a meu lado

De a sentir a meu lado

E ela estava

Mas é como se não estivesse

Gostava de a ouvir

De a sentir

Mas ela por ali de facto já não o estava

Olhei para ela com um misto de ternura e de horror

Enquanto ela caminhava…

Miguel Patrício Gomes
Enviado por Miguel Patrício Gomes em 23/08/2011
Código do texto: T3176441
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