PACTO FAUSTIANO & MAIS
PACTO FAUSTIANO
Meus olhos se embaciaram. Fui golpeado
e um coágulo surgiu em minha retina.
É da lei do equilíbrio a triste sina:
se recebes um bem, por outro lado
irás perder outro dom, de inesperado.
Assim é que transcorre e não se atina
que os deuses cobrem, em harmonia fina,
os dons que te concedem, quando, alado,
vai até eles o ingênuo pensamento:
pois o jovem tem tempo e tem pobreza,
o homem maduro não dispõe de tempo,
enquanto o velho tem tempo e tem riqueza,
mas já perdeu o jovem sentimento.
(E assim se esvai a vida, em contratempo.)
FENG SHUI
De quando em vez, é bom lançar ao lixo
quanto se guarda de inútil e pesado:
os objetos velhos, o estragado
pelo uso constante e até o prolixo
redigir destes versos, neste fixo
mascar de lágrimas e sêmen do passado:
tempo e sonetos, de ilusões cercado,
que meu futuro afivelam em prefixo.
Quiçá lance de mim essa poesia
que fracamente ferve dentro dalma,
por combustível de curta duração.
Ou jogue fora esse amor de fantasia...
E nesse instante, em que rejeito a palma,
jogarei fora também meu coração.
REGRAS DA VIDA XXXIX
É o conselho do livro: quer a poda
freqüentemente do que não mais se usa:
os objetos abandonados pela musa,
em sua breve presença nessa roda
eternamente móvel. Viver leve,
escassa essa bagagem que se guarde:
consuma o fogo o resto, enquanto arde
e se usufrua bem do amor mais breve.
Pois quem avança depressa pela vida
não arrasta quatro malas no aeroporto:
traz uma bolsa só, traz uma pasta,
ou mesmo um laptop, em que guarida
dá a todo pensamento, salvo o aborto
que deixou para trás, na estrada vasta.
QUANDO O AEDO CANSA
Nublado o céu, nublado o meu despeito,
nublada a mancha de toda humilhação,
nublado o coração, nublado o peito,
nublada a mágoa, desfeita essa ilusão...
Desfeito o céu, por trás da névoa e véu,
desfeito o espelho que minhalma encerra,
desfeito o xale por sobre o mesmo céu,
desfeita essa emoção, nublada a Terra...
Que um jogo de palavras é essa vida,
mais que o jogo de palavras destes versos,
que do estro zombam a nubla inspiração...
Porque em meu peito se esvaziou a ermida,
meus sentimentos nublados e dispersos,
tal qual desfeito ficou meu coração...
CASSANDRA
Três capacetes na mesa de minha sala,
pares de luvas três, três precauções
contra os minuanos de três estações,
três cervejadas que a prudência cala...
Três imprudências sob a chuva rala,
temeridades três, três sensações,
três aventuras, três enfrentações,
três obstáculos, enfim, que se resvala...
Três capacetes em que a boca emboca,
motocicletas em que a vida invoca,
três acidentes em que a sina ensina...
Três sinaleiras que a loucura aloca,
três derrapadas que a tocaia entoca:
morre o rapaz e morre sua menina...
Cassandra era a filha de Príamo que tinha o dom da profecia e não foi escutada quando predisse a queda de Tróia.
BIOTA
Amor percebo qual um simbionte,
que se alimenta de mim e me sustenta:
o meu sustento amor sempre alimenta
e bebo tal amor qual pura fonte...
De natural beleza, no horizonte,
aberto frente a mim, amor contenta
a alma faminta que a emoção agüenta,
em invisível passagem por tal ponte...
Entre o concreto e a sombra, essa visão
que não se vê e o coração preenche,
que não se escuta e assoberba a mente...
Pois nos devolve o quanto, em sua paixão
tirou de nós primeiro; e que nos enche
desse alimento vital e onipresente...
Biota é o conjunto dos seres vivos que habitam a Terra. minúsculos como são, os microorganismos compõem 90% do biota, os insetos e aracnídeos 9%. os oito bilhões de seres humanos não compreendem mais que 0,l% do biota.
CIMITARRAS
Eu vejo nisto apenas frustração:
não saber como querer o que se pode
nesta vida; ou talvez, do que incomode,
como livrar-se, em curta duração.
Eu vejo a busca da velocidade,
por esses jovens, como apenas medo
de se inserirem mal em tal enredo
que complexisa a vida em sociedade.
Somente querem as máquinas do vento,
movidas a cerveja, num portento
de combustível de grande aceitação.
Em tudo sendo apenas a zoada
da vampiresca e inútil revoada
que só conduz a mais desilusão...
RETORNO A SÍBARIS
Eu me surpreendo a pensar como os antigos:
"Antigamente, havia mais respeito..."
É a contragosto que o ditado aceito,
porque olho em torno e vejo seus perigos...
Que, realmente, a nova geração
foi criada ao sabor de um estatuto
em que direitos tem o seu reduto,
porém deveres são lançados de roldão.
E fica assim: uns se tornam delinqüentes,
outros drogados, ou bêbados freqüentes.
E, se algo tem comum a juventude
é a irresponsabilidade mais completa,
que a sociedade por inteiro afeta,
sem que ninguém sequer trabalhe ou estude.
Síbaris foi uma cidade grega da Ásia Menor, cujos habitantes eram famosos pelo luxo, orgias e crueldade com seus escravos. Ainda hoje, "sibarita" é quem busca somente a satisfação de seus próprios prazeres. O "estatuto" referido, naturalmente é o ECA.
AMOR DE CÂMARA XIII
Eu sinto a solidão como a palpável
parede de sorrisos de indulgência,
com que encaro o mundo, essa paciência
de longanimidade imponderável.
E vejo o mundo assim, tal qual miragem,
de demiurgo talvez... Em que me insiro,
como observador... Em que me inspiro,
ao descrever dos outros a passagem...
Nesse favor, com que a mim mesmo acorro
E beijo a própria imagem, que me beija,
nos permanentes amores transitórios...
Que então me levam a buscar certo socorro
nos braços de quem sei que me deseja,
amor fazendo aos acordes de Praetorius...
REGRAS DA VIDA XL
Retorne a suas origens, vez em quando,
a retomar contato com suas bases...
A vida te demonstra tantas fases,
que é importante se furtar ao bando
de tais solicitações... Um meio brando
é voltar ao lugar que foi o oásis,
em que você cresceu, onde as diástoles
do coração vão as sístoles calmando...
Retorne à calma e pense em seu futuro:
quais as coisas que, realmente, tem valor
e como irá planejar o seu destino...
Nas ondas mansas do porto mais seguro,
renove suas raízes... nesse odor
alcandorado dos tempos de menino...
[diástoles são as dilatações do coração depois que as sístoles o contraíram.]
AMOR DE CÂMARA XI
Eu nem me esforço por teu amor concreto.
Abstrata, és mais real... Posso forjar-te
segundo a síntese de meu ideal secreto,
enquanto a substância, ao contemplar-te
se escapa a tal prazer, sob as pupilas...
E, no entretanto, quando enfim te abraço
e, nesse teu ardor, por mim cintilas,
teu dom carnal preenche todo o espaço...
Como endorfinas então o meu marasmo!
Tal como a música, teu corpo me consola,
durante os dias bons e os dias maus...
Pois me renovo em ti, em tal orgasmo:
Sempre é um antídoto, nesta vida tola,
fazer amor com a música de Strauss...
DECADÊNCIA
Esvazio os pulmões, em forte bufo,
que pode ser sintoma de algo mais
ou talvez, nem diga nada. Pois jamais
sinto sintomas de tosse, fleuma ou rufo...
Não sinto, em absoluto, falta de ar:
é como se, ao contrário, ar demais
se acumulasse em mim, talvez fatais
prenúncios, que me possam dominar
No futuro, outras ânsias... Talvez fortes,
porque a idade acomete, sorrateira,
quando menos se espera... Não é lenta,
é progressiva e faz pequenos cortes:
retira um pouco ali e aqui, brejeira,
muito de leve e, aos poucos, se alimenta...