MAIS GALÉ DO QUE GALÃ & MAIS
MAIS GALÉ DO QUE GALÃ
Amor não dá dinheiro: apenas gastos
e desperdícios de tempo e numerário.
Muito melhor é o tempo multifário
despender em projetos bem mais vastos...
Tais como: pôr em dia esses desgostos
dos impostos e das taxas: esse vário
perfurar dos intestinos, tal fadário
de sustentar do governo os falsos rostos...
Assim não quero mais do amor aos gestos
me entregar, neste ano que inicia,
tendo livros a fazer, tendo poesia
amortalhada em esboços imperfeitos...
Porque de mim os versos brotam lestos
e nem penso em corrigir-lhes os defeitos...
LEITOS ESQUIVOS
Assim, não quero mais saber de amores:
há muita coisa atrasada em minha vida,
além de impostos e da pilha dolorida
dos versos e sonetos aos bolores...
Pois nem chego a digitar. Tenho meus selos,
postos de lado há anos... Tantas cartas
não respondidas... Das horas fartas
em que fazia de estampilhas meus desvelos...
E livros para ler, acumulados
às dezenas, em longas prateleiras,
pois só consigo ler as traduções...
Pobres livros, esperando, ainda fechados,
ou de ficção ou de histórias verdadeiras,
de alheias mágoas e estranhas emoções...
DEVANEIO
a Lua chora mansa sobre a praça
e o Sol pinga de cores o horizonte...
a Nuvem meiga a escuridão perpassa
e a própria Chuva é foice em seu reponte...
o Vento brilha em lama, que esvoaça;
se esbranquece o Azul em tal remonte;
e o Verde se enegrece e quase esbaça
no acinzentar feliz de estranha Fonte...
as Pedras umedecem meu caminho;
a Flor do espinho me acaricia o passo
e até a mágoa é embalsamada pela Urtiga...
enquanto a Estrela me enlaça, com carinho
e a Geada toda me prende, em seu abraço
e do Orvalho da noite brota a espiga...
CALAZANS
os Flocos cor de chumbo do luar
se embebem em minhalma, em Nostalgia.
não quero a Luz das flores, nem o dia,
só quero refletir-me em teu Olhar...
as flores cor de Mármore da espera
são mausoléus de entorno a meu Sudário.
não quero a Vida das flores, mas fadário
do inesperado Ardor que reverbera...
mas Flores consumidas de moleza,
na Modorra feroz da inquietação:
tão belas essas flores de Madeira...
assim eu fico, assim meu Coração,
em Chumbo e mármore convida a derradeira
mortalha revestida de Incerteza...
O título foi escolhido pelo som, mas calazans são um conjunto de sementes jogadas no solo, ou, mais exatamente, a base ou calaza que reveste a nucela, ou membrana do óvulo vegetal.
ESCAVADOR
Rosas de pedra que carrego nalma,
goivos de mármore abertos em botão,
hemerocálides negras de ilusão,
dracenas balouçando em viva calma,
íris abertas em sua altiva palma,
hortênsias regeladas de emoção,
corimbos e amentilhos, todos são
apenas fetos mortos em minhalma.
Que não me adianta lembrar-me dos jardins
que um dia desejei plantar contigo:
tornaram-se sepulcros, meu jazigo...
Não mais que lantejoulas, trampolins
para o mundo sem cor ou sentimento,
em que apenas me viceja o esquecimento...
DATILOSCOPIA
dedos de Almíscar, que um dia meu destino,
filtraram nas Pupilas, sem motivo,
senão o Gesto apenas, inquisitivo,
de examinar qual fosse o Peregrino
que se acercava assim de seu Santuário
e conferir-lhe então o Dom franzino
de deixar-se adorar, Dote mofino,
castanholar de Unhas, no ordinário
percutir zombeteiro da Malícia
de quem traz entediado o Coração
e não se abala mais com Bem, nem Mal.
mas se contenta em breve Impudicícia,
entrecortada de Caprichos, maldição
com que gravaram em mim sua Digital.
LADRÃO NOTURNO
se espalha a Lua nos cacos de garrafa
que coroam teu Muro e que permitem
aos mosquitos suas Larvas depositem
em nova Geração, que não se abafa,
sob os Raios da lua de esmeralda.
marrons e brancos, outros Cacos deste azul
filtrado de Luar, em seu exul
e triunfal viver, que o Sol escalda...
mais outros cacos te defendem da Paixão,
em muro Alto, que a teu redor constróis,
a quem ninguém se achega, sem Cortar-se...
e eu... deposito em larvas de Emoção
meus Versos, em teu muro, sob os sóis,
e fico a ver meus Dedos a sangrar-se...
LAVANDEIRO
estendo Braços de prata sob a lua,
para Lançar a ti meus sentimentos:
o Tempo passa e a emoção estua,
sem se importar com meus Ressentimentos.
estendo braços de Prata à flor do rio,
para lavar-me de teu Esquecimento:
das Impurezas que acumula o estio,
quando o sol Enchurrasca o firmamento...
que meus braços de prata não Desbotam,
nem ao cantar meus Versos; impotentes
se tornam, mas sempre mais presentes.
que esses braços de prata se Intrometam
para cercar-te em Luzes, nas freqüentes
lavagens Brancas de sangue alvinitentes.
POREJAR
quando menciono Sangue, não recordo
o dos Tuberculosos, dos aidéticos,
nem tampouco os Resultados céticos
dos que não acreditam que o Transbordo
de Copos sem cessar desmanche o fígado:
todo esse sangue de Morte e de tortura.
Penso no sangue, que enquanto a Vida dura,
aquece o Ventre, até torná-lo espígado.
penso no sangue que Escorre em emoção,
no sangue de meus sonhos e das Mágoas,
no sangue Menstrual, sangue parturição,
que traz a vida ao Mundo, ideal sagrado,
no sangue que transfere as mudas Águas,
e as verte fora, no Olhar amargurado...
POEMAS NA REDE
"Cartas de amor perderam seu lugar
no século vinte e um," assim disseste.
Outro veículo tomou-lhes o cantar,
este: eletrônico... Assim o supuseste.
Mas não me posso tão fácil conformar
que as missivas de amor, como quiseste
não mais existam... Ou que nada reste
de amor a ser escrito ou a declamar...
Em minhas mensagens, sou cavalheiresco,
gentil e generoso, homem antigo...
E em todas elas deponho o meu calor.
Tolo poeta, permaneço romanesco...
Mas por trás do formato em que me abrigo,
cada soneto é carta --- ainda de amor...
METALINGUAGEM
Vira esta página e olha atrás do poema,
o que se esconde lá, se é uma fatia
do mesmo coração que te escrevia:
jóias de carne da mais pura gema...
Procura na tua mente o mesmo esquema
que dá vida às palavras e induzia
em tuas próprias emoções a nostalgia
dos sons, das ondas, das cores desse lema...
Que seja o lema uma lemma em significado,
a meta além da meta metafísica,
a sema que introduz metalinguagem...
Que seja a fona um canto atribulado
e a própria mima além da mente física
que me invade o coração em dor selvagem...
lemma = proposição que introduz a definição de outra; meta = proposição que introduz a seguinte; sema = unidade de significado; fona = unidade de som; mima = unidade de imitação.
REGRAS DA VIDA XXXVIII
Seja gentil em todos os seus atos:
a vida é curta demais e a grosseria
extrai de seu calor tanta valia...
Muito melhor é nos mostrarmos gratos
pelos pequenos favores recebidos...
Pois agradeça sempre e sempre use
o "por favor..." Que a pressa não escuse
um "obrigado", por sorrisos tidos...
Seja sincero em quantos elogios
fizer aos outros, porém nunca se esqueça
que é necessário dar os "parabéns"
e os "pêsames" talvez, quando, em esguios
dedos, a morte venha e alguma vida peça,
para não mais desfrutar da Terra os bens...