SINCRONICIDADE / PERCALINAS
sincronicidade I (15 AGO 11)
foi por tão pouco que perdi meu alvo!
a seta se encravou em outro ramo,
mas pelo amor da honra que reclamo,
eu atendi: bem sei que amor é calvo
como a fortuna. se não se põe a salvo
quando aparece, se não se abate o gamo...
escuto a voz do amor, em seu reclamo
da aceitação do ardor, porém ressalvo
que amor não sinto em bem adstringente:
é mais amor que devoro, suculento,
embora trate em carinho e com respeito.
não esse amor que avassala, equipolente
a uma tropa em combate lamacento:
garras cravadas ao fundo de teu peito!
SINCRONICIDADE Ii
DEIXEI MEU CORPO: SEGUI SOMBRA DE SOMBRA,
NA BUSCA DE OUTRA SOMBRA ENSOMBRECIDA,
QUE SÓ NA SOMBRA ENCONTRARÁ GUARIDA,
POIS TAL AMOR NÃO TEM SEQUER ALFOMBRA.
MAS ESSE AMOR DE SOMBRA QUE TE ASSOMBRA
E POVOA ESSA TUA ALMA ADORMECIDA,
NÃO É AMOR QUE PERDURE TODA A VIDA,
NEM SEQUER NUVEM QUE O ESTIO RESSOMBRA.
é UM AMOR VELHO ESSE AMOR ESFIAPADO,
NADA CONCRETO, AMOR FEITO DE TRAPO,
TRAPO DE SOMBRA TODA PERFURADA.
POIS TAL AMOR PELAS RUAS ARRASTADO,
QUE SE NUTRIU DE INSETOS COMO UM SAPO,
FOI PISOTEADO PELOS PASSOS NA CALÇADA!
SINCRONICIDADE III
PORQUE AMOR, QUANDO NÃO É SIMULTÂNEO,
TENDE APENAS NA MEMÓRIA A APODRECER,
DEVORADO PELAS LARVAS, A CRESCER,
DA SAUDADE, QUE DO AMOR É SUCEDÂNEO.
e É PISOTEADO ASSIM PELO CALCÂNEO
DAS MULTIDÕES QUE PASSAM A CORRER,
QUE EXISTE AMOR ALI, SEM PERCEBER,
MORTALHA PRESA A UM INVISÍVEL CRÂNIO.
POBRE AMOR desprezaDO QUAL JORNAL,
AMOR DE SÍNCOPE, ENFIM, AMOR DE ENFARTE
QUE CRESCEU MAIS, AFINAL, DO QUE PODIA!
NESSE ESFORÇO INCONTIDO PARA O MAL,
COM QUE O CORAÇÃO INFAUSTO PARTE
PELO EXAGERO, ATÉ QUE SE IMPLODIA!...
SINCRONICIDADE IV
AMOR PRECISA DE SINCRONICIDADE:
QUE AMOR TE CHEGUE JUNTO COM O MEU.
MAS QUANDO AMOR TÃO SÓ NUM PEITO ARDEU
NÃO É AMOR, MAS SEMENTE DE SAUDADE.
PORÉM O AMOR EM SIMULTANEIDADE,
QUANDO EXPERIMENTO ARDOR IGUAL AO TEU
É COMO A VIDA QUE NUNCA SE PERDEU,
MAS SE GUARDOU, REVESTIDA DE VAIDADE.
VAIDADE NÃO DE MIM, PORÉM DAQUELA
QUE CAMINHOU A MEU LADO, INCONSEQUENTE,
SEM DAR A MÍNIMA AO QUE VENHA ACONTECER
E PERMANECE QUAL SUPERNOVA ESTRELA
A DOMINAR OS CÉUS, INDIFERENTE
À BRASA CINZA QUE A ACABARÁ POR SUCEDER!
SINCRONICIDADE V
E COMO QUEIMA TAL AMOR SINCRÔNICO!
SEM QUE QUALQUER DOS DOIS POSSA CONTER.
TAL EXPLOSÃO NINGUÉM PODE DESFAZER,
APENAS ESCUTAR-LHE O ARDOR SINFÔNICO.
PORÉM AMOR QUE SEJA DIACRÔNICO,
MAS SIMULTÂNEO, EM MOMENTO DE PRAZER,
TEM MAIS CHANCES DE AFINAL PERMANECER:
NÃO SE DESGASTA EM SEU INSTANTE ICÔNICO.
QUE AMOR MAIS LENTO PERDURA MUITO MAIS,
PORQUE DEPENDE EM PARTE DA CONSTÂNCIA
DE QUEM SENTIU PRIMEIRO E SE ABALANÇA
A TAL CONQUISTA LENTA, QUE ADEMAIS
ADICIONA COMBUSTÍVEL À SUA INSTÂNCIA,
ATÉ QUEIMAR AO REDOR O QUANTO ALCANÇA.
sincronicidade vi
que amor sincrônico apaga a escuridão
a flamejar qual combustível puro
e que o diabo leve o dia futuro!...
é só o presente que afasta a solidão.
e quando a simultânea cremação
ocorre e nos abraça todo o escuro,
só na memória há lenitivo ao duro
destino das fagulhas da emoção.
Por isso o amor é jogado na calçada,
para qualquer pisotear em zombaria,
esmagado sob os pés da indiferença.
pobre amor, que brilhou um quase nada!
amor eterno no tempo em que luziu,
pelas lágrimas apagado que condensa...
PERCALINAS I (16 AGO 11)
Mulher de vidro, a quem não abandono,
são doces teus cristais de azul e prata,
teus pingentes em volutas, luz e data,
cristais de vento a acalentar-me o sono.
Mulher de vidro azul, em que ressono
o bimbalhar de meu corpo, sino e mata,
em transparente e vegetal espata,
que sei possuir, porém não ser o dono.
Mulher de vidro azul, prata argentina,
safira de ametista, turmalina,
ou vidro tcheco e pura cornalina,
mulher dourada em tons de crisopraso,
mulher de pedra, enfim, em frio descaso,
lápide branca do túmulo em que jazo!...
PERCALINAS II
Nem sei por que te amei. Só me reflito
na insegurança com que vês o mundo,
nesse tesouro que ainda tens, profundo
e que tanto eu queria fosse meu!...
Nem sei por que te amei. Ideal restrito
de quem o mundo aborda no iracundo
rebelar-se contra o fado, que é oriundo
do rebrotar de um ideal que se perdeu...
Nem sei por que te amei. Tenho esperança
de que alcances um dia tal bonança
que eu mesmo nunca pude aproveitar.
Eu só queria pôr um fim nessa esquivança,
para que, ao menos, pudesse contemplar
o meu sucesso, na luz de teu olhar.
PERCALINAS III
Darei por ti a jóia de alto preço:
paguei meu sangue em gotas de rubi
e inda mais linfa eu jorrarei por ti,
só por prazer de te dar novo adereço.
Do sangue coagulado não me esqueço,
das poças fiz escudos, revesti
com a pele das entranhas, mal senti
os buracos que deixava no começo...
Mas tantas peças te mandei de mim,
te apoquentando em cacos de sonetos,
que se alargaram sombras no pulmão.
Tornei meus brônquios em toque de clarim,
a proclamar nas esquinas meus afetos,
por mais que tenha perdido o coração.
PERCALINAS IV
Anel em fiz, com os ossos de meus dedos
e busquei a tua mão, para entregá-lo.
Mas foi em vão, no esforço de buscá-lo,
não segurei tua carne ou teus segredos.
Pois dedos já não tenho, à luz dos medos:
gastei por este amor e me avassalo,
tentei tanger meu sino sem badalo,
busquei teu carrilhão em sonhos ledos.
Mas percorrendo o quadro em que te via,
nada encontrei, salvo fantasmagoria:
tuas mãos eram de tinta e tela fria...
E por mais que o tocasse, teu retrato
mais intangível era e, em teu recato.
sobrou-me apenas moldura e nostalgia!
PERCALINAS V
E encadernei a mim mesmo em percalina,
mas a capa foi papel de fantasia:
a percalina só a lombada recobria...
Talvez os cantos, em proteção mais fina.
E desse modo, fui mostrar em cada esquina
as minhas páginas recheadas de poesia:
em cada folha uma ilusão jazia,
encadernada em suspiros de menina...
Dessas que sonham com o príncipe encantado
e tantos beijam que acabam sendo sapos...
Os contos lhes mostrei de minhas quimeras,
cada uma bateu palmas de seu lado,
puxou uma folha e carregou farrapos,
vazio meu livro após tantas esperas...
PERCALINAS VI
Pois percalina ao cartão protege mais,
mas os livros só perduram por instantes,
e suas capas não resistem teus diamantes,
mulher de vidro lapidado no jamais.
Mas percalina não renova esses postais
revestidos de paisagens delirantes,
alfim, retratos vazios e expectantes
dessa mulher de quem esperei demais.
E constatei, minha capa esfrangalhada,
pelos pedaços que tantas me tiraram,
que era tão só um espelho que criara.
Mulher de vidro na imaginação fechada,
percalina que os dedos farinharam,
fragmentos a sangrar da Lua clara!...