ZUMBIS & MAIS

ZUMBIS

quando me deixo envolver em devaneiO,

recordo olhos, cabelos, dedos finoS,

risos de prata, crisóis em desatinoS,

com o antimônio dos seios de permeiO.

recordo situações que nunca foraM,

hálitos breves, que poderiam ter sidO

casos de amor feroz e desabridO...

mas tantas cenas más que me devoraM

nada mais são que sombras sem valiA.

e estas lembranças que me vêm no sonhO

são arquivos que envolveu a sorte ingratA,

numa defunta e social hieraquiA.

e assim me deixo envolver pelo medonhO

palor suave de antimônio e pratA...

sensatez

eu não te trocarei tão facilmente

por qualquer outra; teria sobretudo

de ser igual a ti ou mais inteligente,

pois com física beleza eu não me iludo;

tal formosura passa incontinênti,

enquanto a mente pode, pelo estudo,

aumentar sua beleza permanente,

enchendo o cérebro de novo conteúdo;

pois de mulher eu quero mais freqüente

que me possa falar numa linguagem

que seja a minha, portanto, que me entenda;

e dê valor ao meu valor presente:

que me seja gentil e me compreenda,

sem ser somente um corpo de passagem...

DEJANIRA VII -- A HIDRA DE LERNA

Neguei-me a redigir por tantos anos

Versos quaisquer de amor ou filosóficos,

Mas agora ressurgem, teosóficos,

Na encarnação feroz de meus enganos.

Pois têm sete cabeças, como a Hidra

De Lerna, que tenho a destruir:

Não basta uma cortar, que a reluzir

Já brotam duas, como a clepsidra

Dos deveres por tempos esquecidos.

Preciso agora de um acompanhante,

Iolau que aplique o archote chamejante

Para conter dos versos novos danos,

Pois se Hércules doze monstros tem vencidos,

Agora chega a hora de doze desenganos.

NEVRALGIA

Segurei um projeto que esperneava,

Na palma de minha mão o sopesei:

Era um projeto de amor, mas não lhe dei

Correta avaliação, porque marcava

Uma esperança vaga e em desalinho

Com os demais projetos que nutria;

Assim, a tal amor não dei valia:

Lancei-o fora, em gesto bem mesquinho.

Embora a tal amor, inicialmente,

Tivesse dado atenção subjacente,

Nunca foi mais que uma emoção discreta.

Joguei-o fora, por pura distração,

No abstrato saber do coração,

Que amor é vago, mas dor é bem concreta!

INARTRITE

Ela foi, afinal, diagnosticada

da mesma afecção que a incomodava

desde menina, em leve desatino,

que lhe extraía o ânimo e a libido:

Uma moléstia sutil, que tinha herdada,

insidiosa e gentil a dominava,

músculo a músculo, em atroz destino,

sem que o prazer da vida, concedido

pela saúde lhe houvera revelado...

Foi um penar de antanho, espiralado

pendor que aos ossos reflexão empresta.

E o mau humor que tanto me afligia

nada mais era que fibromialgia

a encher sua alma de uma dor funesta...

DESVENTURA

pois me tomou de assalto, de repente,

um laivo redolente e sem malícia,

olhar a reluzir de impudicícia

que era, no fundo, apenas inocente.

não foi mais que uma noite de perfume

que me explodiu no rosto, um sortilégio,

feitiçaria, quem sabe?... um sacrilégio

que só deixou-me ressaibo de azedume.

e sou forçado assim a constatar

que minha ânsia se foi... abandonou-me.

de tanto amor já se esparziu a carga;

recordo apenas aquela peculiar

inalação que então sobrepujou-me,

em gotas secas de doçura amarga...

(*)

SANT'ANA (2008)

eu hoje li na coluna do sant'ana

uma mensagem bastante comovente.

ele lembrava dessa pobre gente

que vai aos hospitais, toda semana

e dos médicos se torna então paciente

e assim reduz o estômago, que clama

por alimento demais, em fúria insana,

com o resultado de crescer imensamente

em suas reservas adiposas. e o jornalista

diz precisar de uma outra redução,

porque se deixa comandar por sentimentos

que o fazem percorrer a longa pista

da compaixão, abrigando os pensamentos

de que precisa é reduzir é coração!...

CONCUBINA

Meus músculos são metade do que foram,

Fui mais alto também, mas aos sessenta

E mais dois anos, nova se apresenta

A realidade dos fatos que desdouram.

Não uso mais machado ou picareta,

Troquei por um teclado de discreto

Soar, que à madrugada por completo

Me leva a trabalhar, numa direta

Troca do dia pela noite muda,

Que me contempla, meiga e solidária,

Que num suspiro o meu penar compreende,

Que junto a mim nos versos se desnuda...

Não sou velho, afinal: é a sedentária

Atividade que à tradução me prende...

DEJANIRA VIII -- O TOURO DE CRETA

Agora chega a hora de doze desenganos

Transformar em poemas a serem desprezados:

Doze tentos reuniu Hércules e, trançados,

De quatro em quatro, contra grandes danos

Os fortaleceu, a fim de o touro forte,

Que assolava furioso o chão de Creta

Pudesse capturar, em laço que intercepta

Os ataques do touro e os golpes da má sorte.

Porém Juno enviou, para roer o couro,

Camundongos famintos em bandos inumanos.

São ratos que eu enfrento, como um touro,

Tais como buscam, racionais, meus versos,

Neste projeto os doze labores herculanos

Transformar em poemas de acidez conversos.

NETHEAD

De quando em vez, nas vagas da tormenta,

Ferve meu sangue, movido pelo açoite

De nova exaltação e, em meu transnoite,

Um verso novo e bom logo se assenta,

Não mais na folha branca, em salmodia;

É no computador, na tela esquiva,

Que tudo mostra e nega, na furtiva,

Pixélica efusão que me envolvia.

Percebo então que esperança é aleivosia,

Pois quantas vezes zombou de mim o fado...

Porém insisto em lutar, por teimosia,

Enquanto imagens falsas me retraças,

Assim prossigo eu, entusiasmado,

Na dança imaculada das desgraças...

SIDDHARTA

Que o verso descreva a visão do Mandala!

Foi sonho de um dia, Avatar delirante,

Olvidado o Nirvana e, no ardor palpitante,

Apegado a esta carne que aroma trescala.

Que Durga e Parvati curvassem-se a Kali!...

E exaltado e sublime este pobre Saddhu

Se entregasse à visão triunfal deste nu

E perfeito exemplar -- dançarina de Bali!...

Kundaline ressurge e suas curvas extende

E o mesmo Derviche o chamado já atende,

Desatento do Buddha, esquecido de Brahma.

E na arcana espiral, ele é tudo, ele é Shiva!

E ela freme de amor, Mahadeo! -- ela é diva,

Num Mandala de sangue esguichado na cama!

EXIGÊNCIAS

eu nunca me recuso a trabalhar,

não está em mim: é minha natureza,

nasci para os labores, com certeza

e nem sequer conheço o descansar.

e agora, meu Dionysos, me vens dar,

um novo impulso para mais grandeza

imprimir à minha vida sem beleza,

para mais tempo aos versos dedicar:

é tal a vastidão que me despontas!...

embora saiba que ao final das contas

seja operário do verso... e tradutor;

e para isso sigo trabalhando,

minhas tarefas firme executando,

vivendo em adrenalínico esplendor.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 30/07/2011
Código do texto: T3127924
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