A FILHA DE APOLLO XIV & MAIS

A FILHA DE APOLLO XV

Que o verdadeiro amor busca o infinito

já é lugar-comum, por tantos dito.

A posse até esmaece o ideal bendito

porque era uma ilusão que mais se amava.

Por certo que tua carne despertou

uma incerteza nova... E me assaltou

em mil percepções e a mente me tomou.

Mas não era teu púbis que eu buscava.

E os momentos de glória que fruí,

não eram comunhão do vezo antigo,

que desde sempre a natureza instrui.

E esse esplendor do gozo que senti,

foi pálido ao lembrar o amor que abrigo,

que a mente apaga e o coração dilui...

A FILHA DE APOLLO XVI

O que fazer, se acaso me adormeço,

só de pensar em ti e não me esqueço

de que, ao pensar em ti, mais deveria

me acordar, nesse pensar que poderia

realizar contigo o meu anseio...?

Mas não transcorre assim meu devaneio:

muito mais os meus sonhos multiplica,

enquanto a vida natural replica...

E assim, quando adormeço, estás presente,

entre meus braços, no ardor fremente,

com que teu ventre ao pleno ardor concita.

E minha surpresa é feia... E é tão bonita!

Porque me acordo, não estás à mão,

mas se adormeço, te abraço na ilusão.

HOMOTERMIA

Não gosto do verão, porque o calor

Se faz abafadiço e a fantasia,

Por mais que seja tênue seu palor,

Vê-se coberta em mortalhas de afasia.

No inverno, é diferente: a telharia

De geada assim coberta do ofuscor,

Retorna a meu olhar sonho e magia,

Que posso então regar com mais vigor.

Que meu jardim permanece esverdinhado.

Ao resistir ao frio. É mais estético,

Do que quando a opressão sobre ele desce.

E eu fico a contemplar, ensimesmado,

Em tal fulgor apenas obstétrico,

A chama verde, que a floração aquece.

NUANCES INCOLORES

Meu sangue eu já cedi, em transfusão,

às linhas eletrônicas da rede...

Veias rasgadas, tanto mais se cede,

tanto mais brota de meu coração...

Meu sangue se desfaz, em letras negras,

de rascunhos, tornadas multicores,

a cada vez que dirijo os resplendores,

nesse outlook de obscuras regras...

Eu me ponho a digitar, em solitário

vício, qual peanha de onanismo,

ao invés de deitar-me, em teu regaço.

Mil versos masturbando meu gregário

comunicar-me, em perplexo solipsismo,

meu sangue a se transpor em hiperespaço.

ONIRICÍDIO

É extremamente perigoso transformar

um sonho em realidade. Esse concreto

desfrutar do que se amava, no discreto

torpor da orla da alma, em seu cantar

apenas sugestivo. Ainda limitado ao dealbar

da memória inconsciente, o nosso afeto

podia ser feitiço, por completo,

e mil vezes fruído, em luminar...

Mas uma vez tal sonho realizado,

não é que a excitação desapareça,

mas que esteja sujeita a seus parâmetros.

E sempre se compara, em seus diâmetros,

o novo sonho contra o do passado,

até que inteira a fantasia se esqueça!...

CONIVÊNCIA

Pyotr and Nadezhda, dois fantasmas,

por mais que se quisessem, não buscavam

encontrar-se jamais. E combinavam

apenas em suas cartas, nessas pasmas

constatações de quanto se queriam...

Quando ele a visitava, percorria

salões vazios, cuja tapeçaria

pisava com suas botas: nem se viam.

[Porque ela nunca se deixava ver].

E quando o visitava, preferia

os dias de sua ausência. E então as saias

Rocegavam murmúrios, sem dizer,

contra o banco do piano. E, nas alfaias,

uma nova partitura reluzia...

AMOR DE CÂMARA XVI

O sangue de minhas veias negro deve

ter-se tornado, senão estes poemas

sairiam em vermelho e os dilemas

seriam como aqueles que se escreve

após rasgar as veias, pouco antes

que dessangrasse mente e coração,

que se esvaziasse o fígado; e o pulmão

já não mais se insuflasse, como dantes.

E, todavia, é meiga hemorragia,

que não se estanca em mim, nem coagula...

Embora os versos diluam a embolia,

são derramados para alheia gula...

E neles minha ternura se define,

fazendo amor aos acordes de Bellini.

AQUILIA (boca sem lábios)

A esta altura, só penso no cansaço

de uma vida vã, por mais que cheia...

Pouco importa a poesia que incendeia,

quando não me propicia teu abraço.

E nada serve a música, se um só traço

de teu rosto a visão não me permeia.

Tudo que faz é chama de candeia:

versos queimados em papel almaço.

E, todavia, é tudo quanto resta

do que senti por ti... Das lantejoulas

que luziram em teus olhos... Da promessa

de guizos permanentes... Uma festa

feita somente dos sonhos das papoulas,

que ao invés de acontecer, fugiu depressa.

CIPOAL

Velhos papéis cinzentos, marfanhados,

invólucros de míseros troféus...

A sombra escusa do fulgor dos céus,

a refletir-se nos sonhos castigados...

Visão de devaneios transformados

em concreta noção... Nesses arpéus

que prendem o abstrato... Os escarcéus,

pela opinião alheia emasculados...

E logo eu! [Que nunca me importei

com que os olhos pensassem] -- demonstrei

quanto esse esforço inútil consistia.

Que nem apenas, se me vejo ao espelho,

converto a mim sequer, pois bem sabia

que a conversão é inútil evangelho.

APRAZAMENTO

no final, só me queixo da Esperança:

se em nada acreditasse, Saberia;

e, ao esperar por nada, Alcançaria

o quanto havia esperado dessa Dança...

porquanto quando espero, algo eu Aguardo;

mas quando nada aguardo, Saberei;

que apenas no vazio Alcançarei

esse nada que espero, em meu Resguardo.

e o que seria melhor: nada Esperar

e receber integralmente o Nada,

sem ter surpresa por algo Inesperado,

ou aguardar por algo mais Amado,

sem estreitar jamais as mãos da Fada,

já que tal algo não me coube Conquistar?

não sou hipócrita o suficiente para dizer que esta temática é nova... já vem desde shakespeare, calderón e camões... chegou através de bob dylan e joan baez até os nobres domínios do rock. cumprimentos para a honrosa companhia.

EM PRATOS LIMPOS

Não são prazeres, mas tão só momentos

de vastidão na célere aguardança.

São momentos na espera de uma mansa

aquiescência da vida, meigos ventos...

Soprando para longe os causticantes

com que me acostumei a ver bem perto.

Apenas os fulgores de um deserto

formado de miragens cintilantes...

Porque minha vida é apenas um sonhar

com novos alvos, novas elegias,

sem que, de fato, as espere conquistar...

Mas sem objetivos, sem paixão,

nessas semanas que passam, tão vazias,

que nem sequer me atrevo a delirar...

CANTO INDECISO I

Em tudo existe um preço, que se paga

pela menor ação feita na vida.

E nem menciono sequer a conhecida

mordida do remorso, pela aziaga

ação contrária aos ditames da moral...

Muito pior é o preço da bondade,

quando se faz o bem e a caridade

e a vida cobra um pago bem real!...

Existe ainda uma terceira multa,

talvez de todas a mais exigente,

que é a taxa pelo agir indiferente...

E o pagamento monótono se oculta

nesses momentos de pendor concreto

de um coração que bate sem afeto...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 16/07/2011
Código do texto: T3098237
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