A luz de teu olhar.
Quando acordei, ainda de madrugada, escorregou-se-me a já parca inspiração; aquela ingênua inspiração com a qual te escrevia poesias próprias de imberbes enamorados.
E então me deixei ficar, aprisionado, a contemplar a difusa cor de tua pele, que adivinhava entre as cobertas, iluminada pela luz atrevida que se infiltrava entre as venezianas.
E tu, ainda em nuvens navegando, pediste-me para te contar uma história; uma sonífera história contada com teu corpo despido pelo calor do meu corpo agasalhado.
Antes, a impedir que atravessássemos a noite em claro, lembro-me que eu te recitava Camões; às vezes recorria ao Bandeira – compartilhávamos da mútua insônia, essa dama impudente e tirana.
Nessa madrugada fria de hoje, minha amada, em que vi a barca da inspiração se evadir, para te fazer dormir, falei-te de uma proscrita égua castanha - descrevi, detalhadamente, o garanhão que a queria.
Acompanhei o teu incipiente ressonar em meus braços; e senti, sutilmente, que um estranho desejo de ti me acudiu: deixei-me incorporar pelo alazão de outrora.
Resgatei-te, minha princesa, do sono que tanto almejavas e te amei infinitas vezes, a sorver, um-a-um, os teus queixumes sentidos – e escrevi, nos portais de teu corpo, a mais vulcânica poesia.
E com o tempo a escoar-se, dolente, sem que a manhã nos fizesse da cama sair, fiz-te égua, outra vez, debaixo de mim – e reencontrei-me, cavalo voraz, no azul de teus olhos – olhos que não deixam meu desejo ir embora.
Já falei, em outras ocasiões, da semelhança entre o corpo da mulher e um violino. Valho-me da figura de retórica dando como exemplo um belo violino sem o afinamento correto: é completamente impossível tirar-se notas melodiosas desse instrumento sem se buscar nele a melhor afinação.
Assim também ocorre com a mulher: por mais bela que seja, sem as noções apropriadas de como amar, de como se doar para a vida, é completamente inviável se retirar dela qualquer nota harmoniosa. Já uma mulher que ama, e que se sabe amada, funciona como um Spalla em uma orquestra – além de servir de base, faz com que suas melodiosas notas sejam percebidas por todos no meio de tantos outros instrumentos.
Terra dos Sonhos, manhã de Quinta-Feira, Véspera da Lua Crescente, Julho de 2011.
João Bosco